Com um discurso que prega mudanças radicais nas universidades, o presidente Jair Bolsonaro poderá escolher o reitor de 11 instituições federais neste ano.
As indicações serão feitas após a edição de um documento, nos últimos dias da gestão Michel Temer (MDB), que reduz o poder dos estudantes e funcionários nas eleições internas. Trata-se de uma nota técnica do Ministério da Educação assinada no dia 13 de dezembro de 2018, durante o processo de transição.
O documento diz que são ilegais consultas internas para escolha de reitor nas quais o peso do voto dos professores é menor do que 70%.
A proporção contraria a prática de muitas universidades federais, que adotam processos de escolha nos quais o voto de cada categoria (alunos, professores e funcionários) tem peso de um terço do total.
Mapeamento da UnB (Universidade de Brasília), de 2012, mostrou que 37 das 54 federais usavam esse sistema, chamado de paritário.
Para evitar questionamentos legais, as universidades tratam a votação paritária como uma consulta informal. A eleição oficial é feita por colegiados que seguem o peso de 70% dos votos para os docentes, como está previsto na lei. Esses órgãos costumam referendar o resultado das consultas paritárias.
O processo tinha o aval de uma nota técnica de 2011 do MEC com o seguinte teor: “a realização (…) de consultas informais à comunidade universitária com a configuração dos votos de cada categoria da forma que for estabelecida, inclusive votação paritária, não contraria qualquer norma posta”. Já a nota de 2018 diz que “votação paritária ou que adote peso dos docentes diferente de 70% será ilegal” e que isso se aplica a consultas formais e informais.
A nota também impede, como por vezes ocorre, o envio de listas com menos de três nomes ao presidente, a quem cabe a escolha final. Desde o governo Lula, o primeiro colocado tem sido o indicado.
Não se sabe que conduta adotará Bolsonaro, que muitas vezes atacou um suposto viés de esquerda nas instituições. Questionado, o MEC afirmou apenas que a atual gestão está estudando as ações e programas da área.
Uma das universidades que faz consultas informais paritárias é a UFRJ (federal do Rio de Janeiro). Em 2014, o atual reitor Roberto Leher ficou em segundo lugar por pequena margem entre os professores no processo, mas venceu com folga entre os alunos. Acabou em primeiro da lista tríplice.
Filiado ao PSOL, ele é alvo de críticas de apoiadores de Bolsonaro. Procurada, a universidade afirma que seu colégio eleitoral tem pelo menos 70% de representação docente e que a consulta prévia é uma “pesquisa eleitoral de caráter informativo”, sem vinculação com a escolha final.
Com pleito em 30 de abril, a universidade é uma das dez federais que têm reitor com mandato para vencer neste ano, segundo dados da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior).
As outras são a UFC (federal do Ceará), UFGD (Grande Dourados), UFMA (Maranhão), UFPE (Pernambuco), UFRB (Recôncavo da Bahia), UFRN (Rio Grande do Norte), UFV (Viçosa), UFVJM (Vales do Jequitinhonha e Mucuri) e Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).
No caso da UFRN, a eleição já ocorreu, em 2018. A instituição fez consulta prévia paritária, mas diz entender que a nota do MEC não se aplica à sua eleição, pois foi assinada após o envio da lista tríplice.
Caberá a Bolsonaro ainda a escolha do reitor da UFTM (Triângulo Mineiro), cuja eleição ocorreu em agosto. Uma minuta com a nomeação do primeiro colocado chegou a ser redigida pelo governo Temer, mas a indicação não saiu, e a universidade está sob comando interino. Parecer da AGU diz que a consulta interna da universidade é válida.
A UFC, a Unirio e a UFMA dizem não fazer consulta paritária. A UFGD diz que sim e que irá mantê-la com base em parecer da sua Procuradoria. A UFVJM diz que fazia, mas que o Conselho Universitário irá avaliar a nova nota técnica. As demais não se pronunciaram.
A Andifes afirma seguir a Constituição, que garante a autonomia, e a lei que já regula o processo de escolha de reitores. “Assim tem ocorrido nos últimos anos e isso tem possibilitado direções plurais, legítimas e competentes”, diz.
Secretária-geral do Andes, sindicato dos docentes, a professora Eblin Farage classificou a nota do MEC como um ataque à autonomia universitária. “Os três segmentos que compõem a universidade devem ter o mesmo direito de escolher seu gestor”, afirma.
Ela diz temer que a nota técnica seja usado como justificativa para intervenções nas universidades. A UNE foi procurada, mas não se manifestou. (ANGELA PINHO, SÃO PAULO, SP, FOLHAPRESS)