Documentos do Palácio do Planalto revelam que o perdão concedido ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) foi feito às pressas pelo presidente Jair Bolsonaro, atropelando procedimentos da própria Presidência da República. O decreto que livrou o parlamentar da prisão foi publicado em edição extra do Diário Oficial no dia 21 de abril por volta das 18h. Mas o parecer jurídico que deveria ser prévio para dar respaldo ao ato só foi produzido depois, como mostram arquivos obtidos pelo Estadão com base na Lei de Acesso à Informação.
Bolsonaro afirmou nesta quinta-feira, 26, que quase não se encontra com o parlamentar. “Falam deputado bolsonarista. Mas eu tenho pouco contato com o Daniel”, disse. O congressista, no entanto, foi recebido pelo presidente por diversas vezes. Na tarde de quarta-feira, por exemplo, Silveira foi visto pela reportagem no Planalto, mas não quis dizer se iria se encontrar com Bolsonaro, embora tenha subido ao terceiro andar, onde fica o gabinete presidencial.
Silveira foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a oito anos e nove meses de prisão por coagir ministros no curso do processo e ameaçar o livre exercício dos Poderes. No feriado de Tiradentes, Bolsonaro fez transmissão ao vivo do Palácio da Alvorada, registrada em sua rede social às 17h48.
O presidente anunciou a decisão de livrar Silveira da prisão por meio de um decreto cujo texto leu na live de cinco minutos. O ato foi mais um capítulo no confronto do presidente com o STF e em especial com o ministro Alexandre de Moraes, relator de inquéritos sobre difusão de notícias falsas e envolvimento em atos antidemocráticos por aliados de Bolsonaro.
Meia hora antes da transmissão, o subchefe adjunto da Presidência, Renato de Lima França, encaminhou um e-mail à servidora encarregada da emissão de atos na Presidência avisando que Bolsonaro tinha decidido dar o perdão a Silveira. Na mensagem, França diz que se reuniu naquele dia com o presidente e remeteu em anexo a minuta do decreto acompanhada de apontamentos sobre aspectos jurídicos da medida.
O e-mail deu origem ao processo burocrático que deve ser seguido pelo Planalto quando o presidente pretende editar um decreto. O texto a ser assinado precisa passar, obrigatoriamente, por análise jurídica para evitar erros e contestações, antes de ir para o D.O.
O procedimento-padrão da Presidência prevê que atos de chefe do Executivo e ministros sejam submetidos à avaliação da Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ) antes da publicação. A exigência da análise técnico-jurídica está prevista em um decreto presidencial assinado, em 2019, por Bolsonaro.
No caso Silveira, o caminho foi outro. No início da noite, já havia sido publicado o D.O. concedendo o perdão. Mas o parecer jurídico da SAJ só ficou pronto depois das 22h daquele dia. As assinaturas eletrônicas dos pareceristas que trabalharam naquele feriado começaram a ser registradas no documento às 22h51. O último a assinar foi justamente Renato de Lima França, às 22h56
O trecho final do parecer deixa claro que a análise jurídica registrada estava fora de ordem. “Diante de todo o exposto, ressalvados os aspectos atinentes à conveniência e à oportunidade presidencial, opina-se pela possibilidade jurídica de prosseguimento da proposta de indulto individual”, diz o texto. Naquela hora, a “proposta” já estava registrada oficialmente como decreto presidencial no D.O.
Na manifestação jurídica, os pareceristas não se opuseram à concessão do perdão, mas apontaram que o formato redigido às pressas no Alvorada fugia ao padrão de decretos presidenciais. O ato foi antecedido de vários “considerandos” para justificá-lo. Decretos não costumam ter esse tipo de preâmbulo.
“Os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade e de legalidade, entretanto, para além dessa presunção, as medidas precisam ser analisadas para evitar futuros questionamentos”, avaliou o advogado administrativo Neomar Filho. “Esse é um governo de atropelos”, disse o jurista Álvaro Jorge, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio). Segundo ele, a função de pareceres é conferir legalidade a atos dos Poderes.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, apresentou na quarta-feira parecer com avaliação em linha à defendida nos bastidores por ministros do Supremo. Para o chefe do Ministério Público Federal, em ação que questiona o decreto cuja constitucionalidade ainda não foi julgada, o perdão “é ato político da competência privativa do presidente”, mas com efeito limitado à suspensão de condenação penal. Aras afirmou que a decisão de Bolsonaro não tem capacidade para interferir sobre a sentença de suspensão de direitos políticos. Procurado, o Planalto não se manifestou.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. (Por Weslley Galzo e Eduardo Gayer/Estadão Conteúdo)