O italiano Cesare Battisti, 62, diz que está vivendo sob clima de vigilância em Cananeia (SP), enquanto o risco de ser extraditado é discutido em Brasília.
Nesta sexta-feira (13), o ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), concedeu liminar que impede a volta dele à Itália até que a Primeira Turma da corte analise o caso. O governo Michel Temer espera a decisão do Supremo para tomar a decisão final, mas indica estar disposto a repatriá-lo.
“Me sinto cerceado, assediado. Meu direito de ir e vir não está sendo respeitado”, disse Battisti na quinta-feira (12) ao receber a Folha de S.Pauo para uma entrevista no sobrado de aparência simples onde mora, emprestado por um amigo.
Condenado pela Justiça da Itália por assassinato, ele relata situações “estranhas” no local, como a dificuldade maior do que o normal para acessar a internet no imóvel e a qualidade ruim do sinal de celular, o que o leva a suspeitar de algum tipo de bloqueio ou grampo telefônico.
“Trocaram a senha do meu e-mail esta semana. Não sei quem foi e não consegui recuperar.”
“Tem muitas maneiras de constranger e impedir o direito de uma pessoa”, afirma. Ele não faz acusações diretas, mas associa as medidas à ação das autoridades italianas em solo brasileiro, exercendo pressão pela extradição.
“Uma das razões que me fizeram sair da Itália foi porque lá eu ia ser morto. E as ameaças continuam. Manifestações lá pedem a minha morte. Tenho medo também do Estado. A ameaça mais leve vinda de lá é que vou ficar o resto da minha vida em uma cela”, diz.
O ex-ativista tem visto de permanência no Brasil e nega ter cometido os crimes no país europeu. Condenado pelo envolvimento na morte de quatro pessoas na década de 1970, quando integrava o grupo de extrema esquerda Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), se diz vítima de perseguição.
Ele diz que, depois da prisão por evasão de divisas em Corumbá (MS) e a volta de seu caso à tona, sua conta-corrente no Bradesco foi bloqueada para depósitos. “Falam que foi uma decisão interna. Só posso sacar, mas não posso receber. Que eu saiba não teve ordem judicial para isso”, afirma.
Segundo Battisti, o irmão dele, que mora na Itália, tentou fazer uma transferência e o valor foi devolvido. O banco, por meio de nota, afirma que não comenta o assunto “por questões de sigilo bancário”.
O habeas corpus que o libertou em Corumbá impede impede o morador de Cananeia de sair do município sem autorização judicial. Ele diz que a prisão foi “uma trama, uma armadilha” e nega que estivesse na região da fronteira com a Bolívia para fugir.
Segundo o italiano, no caminho já percebeu que o carro onde viajava com dois amigos (iriam comprar materiais de pesca, vinhos e casacos de couro, diz) estava sendo seguido.
“Olha, foi horrível”, comenta sobre o cárcere. “Era uma cela onde os presos podem ficar 12 horas, e fiquei três dias, ilegalmente. E não tem nada. Tem pernilongo e 40 graus. Você fica no chão, passam baratas, ratos. Quando chegou o habeas corpus, foi como um enterro para os policiais.”
Um abaixo-assinado na Itália com mais de 15 mil assinaturas reivindica a extradição. Nesta semana, o ministro da Justiça do governo Temer, Torquato Jardim, afirmou que Battisti “quebrou a relação de confiança para permanecer no Brasil” ao, segundo ele, tentar “sair do Brasil sem motivo aparente”.
Já o ex-ativista argumenta que Temer não poderia deixar acontecer a “monstruosidade” de fazê-lo deixar o país, onde está desde 2004, casou-se e tem um filho de quatro anos.
Em 2009, o STF autorizou sua extradição, mas deixou a decisão final a cargo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2010, no último dia de seu governo, o petista negou a extradição e concedeu refúgio a Battisti.
A sensação de apreensão é compartilhada pelo historiador Carlos Lungarzo e pela mulher, Silvana Barolo, que fazem parte do grupo que se mobiliza para ajudar Battisti no Brasil.
O casal tem passado os últimos dias na casa do italiano, auxiliando no contato com os advogados e com outros apoiadores. Lungarzo conhece a história a fundo e lançou em 2012 o livro “Os Cenários Ocultos do Caso Battisti”. Na obra, analisa as decisões judiciais e as repercussões do caso. “No momento o que se vive é a busca de algum tipo de vingança”, diz o professor aposentado da Unicamp.
O vereador da capital Eduardo Suplicy (PT-SP) tem se comunicado com o entorno de Battisti. A favor da permanência dele no Brasil desde quando era senador, o petista defende que o ex-ativista possa conversar pessoalmente com Temer e com ministros do STF para pedir a permanência.
“Antes de tomar qualquer decisão, eles deveriam ter a oportunidade de ouvi-lo. Verão que ele não cometeu esses quatro assassinatos”, diz Suplicy.
A rede de apoio recebeu com alívio a decisão desta sexta-feira do STF, vista como esperança de que a corte possa impedir a extradição.
Battisti diz que é vítima de perseguição e que os processos na Justiça italiana foram fraudulentos. “Eu não matei ninguém. Não tem nenhuma prova técnica que se sustenta nessas ações que me condenaram.”
Para ele, a transferência para a Itália é inviável porque, ainda que fosse culpado, os crimes pelos quais foi condenado já estão prescritos. Ele diz ainda não haver justificativa para reverter o decreto do ex-presidente Lula que lhe deu residência permanente, em 2010.
Battisti leva uma vida discreta em Cananeia, município histórico de 12 mil habitantes no litoral Sul de São Paulo. Muitos moradores sabem quem ele é, mas seu passado raramente é mencionado -o que mudou um pouco nos últimos dias, com a aparição frequente dele no noticiário. Outra parte da cidade nem sabe que o ex-ativista mora lá.
Há quem seja indiferente à presença dele, quem defenda que ele fique e quem apoie a extradição, por considerá-lo criminoso.
“Alguém pode provar que eu seja um bandido?”, indaga Battisti. “Cadê o perfil típico do bandido em Cesare Battisti? Sou agressivo, estou me enriquecendo ilicitamente, tenho mala de dinheiro, faço assalto? Essas pessoas estão enganadas. Muitas estão enganadas, outras agem de má-fé.”
“Eu que passei parte da minha juventude a lutar contra os governos ladrões, contra os bandidos, agora me vejo sendo tratado como um”, diz. (Folhapress)