Embaixador dos EUA em Brasília até setembro passado, Thomas Shannon, hoje assessor de John Kerry, o secretário de Estado da administração Barack Obama, achegou-se à boca do palco nesta quinta-feira. Ele foi a estrela de um evento realizado no Wilson Center, em Washington.
Somando-se a palestra que proferiu à bateria de perguntas a que se submeteu, Shannon falou por cerca de duas horas. A coisa toda foi gravada. A certa altura (1h9min41s, para quem quiser localizar no vídeo), Shannon disse meia dúzia de palavras sobre o serviço de inteligência do Brasil. Chamou-o de “pobre”. Considera que não está à altura das ambições globais do país.
Shannon insinuou que o Brasil deveria enxergar os EUA não como um espião, mas como “um parceiro útil”. Afirmou ter “esperança” de que os brasileiros irão ultrapassar a fase das “preocupações imediatistas” provocadas pelos vazamentos de Edward Snowden e reconhecer a utilidade de uma “parceria” com os EUA no campo da inteligência.
Para ele, a “utilidade” da colaboração dos EUA cresce na proporção direta da elevação do status global do Brasil. Com a certeza de quem conhece as vulnerabilidades nacionais, Shannon declarou que, hoje, “tem muitas pessoas interessas no que está acontecendo no Brasil, que se tornou alvo de ataques cibernéticos diários”. Ele poderia ter acrescentado: Que o diga a turma da NSA!
Por paradoxal que pareça, o que Shannon declarou, com outras palavras, foi o seguinte: vocês precisam reconhecer que, em matéria de espionagem, nós somos os bambambãs. Se vocês pararem de encher o saco, podemos ensinar-lhes alguns truques. Creiam: vocês estão precisando.
Shannon ainda estava em Brasília quando o papelório de Snowden informou que a Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA monitorou as comunicações nacionais, inclusive as de Dilma Rousseff com seus ministros e auxiliares. Disse que houve certo “exagero” na reação e “descontextualização” dos dados. Lamentou que disso tenha resultado o cancelamento da visita de Estado que Dilma faria a Washington em outubro.
Na visão de Shannon, Brasil e EUA estão fadados a restaurar em suas relações bilaterais o bom momento que atravessavam antes do furacão Snowden. Mencionou a pujança do intercâmbio comercial. Evocou o crescimento da demanda por vistos de entrada de brasileiros nos EUA. Citou os turistas, mas deu realce à elevação do número de estudantes do Brasil nas escolas americanas.
A Casa Branca, no dizer de Shannon, já “deixou muito claro” que está pronta para reagendar a visita de Dilma a Washington. Mas ele reconheceu que o governo brasileiro talvez precise de um pouco mais de tempo. Quem sabe depois que o governo americano concluir a revisão dos seus procedimentos de inteligência, determinada por Obama.
O diplomata vislumbra sinais alvissareiros no horizonte. Entre eles a adesão dos EUA à resolução sobre privacidade na internet, aprovada na ONU há dois dias, por iniciativa do Brasil e da Alemanha.
De resto, agradeceu o modo como o governo de Dilma reagiu à carta aberta de Snowden ao povo brasileiro, insinuando que estaria disposto a colaborar com as investigações sobre espionagem desde que o Brasil lhe concedesse asilo permanente. Do modo como se expressou, Shannon pareceu convencido de que Dilma não concederá asilo ao “traidor” do governo Americano. Será?
Instado a comentar a decisão do Brasil de comprar da sueca Saab e não da americana Boeing os 36 caças que equiparão a Força Aérea, Shannon reconheceu o óbvio: a administração Obama, que guerreava por sua empresa, ficou desapontada. Porém, não a ponto de alterar a disposição de cooperar com a FAB.
Shannon fez pose de bom perdedor: “Nós felicitamos os suecos e a Força Aérea [Brasileira] pela decisão. Isso é algo que eles queriam há muito tempo e, mesmo nesse instante, vem muito tarde.” (As informações são do jornalista Josias de Souza)