A Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) está em rota de colisão com o Tribunal de Contas do Estado (TCE/GO). A divergência entre os órgãos vai ser levada ao Supremo Tribunal Federal (STF) em breve.
Foi isto o que deixou claro nota publicada pelo TCE e assinada pelos sete conselheiros, no domingo (25). A nota aponta “indevida ingerência do Poder Legislativo sobre as atividades do TCE/GO, em evidente represália à sua decisão”.
Tudo foi desencadeado por um projeto de lei e outro de resolução partindo da base aliada do governador Ronaldo Caiado (UB). O governador tem sofrido derrotas no TCE. Por exemplo, na decisão da Corte pela rejeição de quatro chamamentos para Organizações Sociais (OSs) e uma organização da Sociedade Civil (OSC) na área da Saúde. Assunto que a nota cita, apontando os pareceres contrários como estopim pelos próprios conselheiros do Tribunal.
Eles consideram o projeto de lei aprovado na semana passada, prevendo o exercício do controle externo pela Assembleia sobre o TCE, uma retaliação direta às decisões. O projeto foi apresentado pelo deputado estadual Talles Barreto (UB), vice-líder do governo na Alego.
Pelo projeto, de órgão “auxiliar da Assembleia Legislativa no exercício do controle externo da Administração Pública”, como é previsto constitucionalmente, o Tribunal passou praticamente a ser jurisdicionado a ela. Ou seja, seus atos agora estão sujeitos ao controle externo da Alego.
Constitucionalmente, ao TCE estão, dentre outras, as atribuições de apreciar as contas do governador; julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos. O Tribunal aprecia também a legalidade dos atos da admissão de pessoal, bem como as concessões de aposentadorias, reformas e pensões. Além disso, realiza auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial das unidades administrativas dos Três Poderes.
Dessa forma, com a nova lei, o Tribunal fará auditoria no órgão que tem o controle externo sobre a tarefa dos seus auditores e demais servidores. Ou seja, a Alego pode aprovar ou rejeitar as contas do seu próprio fiscalizador.
Esta situação é vista como uma amarra à independência do órgão. “Uma subversão da ordem constitucional, com a indevida submissão da Corte de Contas à esfera política, em clara represália e em evidente tentativa de intimidação em decorrência do exercício de suas competências constitucionais”, sustentam os membros da Corte.
A nota é assinada por Saulo Mesquita, presidente; Helder Valim, vice-presidente; Sebastião Tejota, corregedor-geral; Edson Ferrari, Carla Santillo, Kennedy Trindade e Celmar Rech, conselheiros.
Eles ainda apontam que não viram como coincidência a aprovação dos normativos “menos de 10 dias depois do julgamento do processo [das OSs e OSC] pelo Tribunal e, ainda exíguas 24 horas de trâmite legislativo, não obstante os alertas a respeito de sua inconstitucionalidade”.
Na sequência, a nota informa que o TCE vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal para arguir a inconstitucionalidade das normas. O TCE/GO conta com o apoio da Associação Nacional dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (ATRICON), que congrega os 33 Tribunais de Contas brasileiros. Os conselheiros lembram que em 2010 também houve situação similar que foi considerada inconstitucional.
E descrevem na nota: “O Supremo Tribunal Federal tem rechaçado tentativas de submissão dos Tribunais de Contas às Assembleias Legislativas. O STF possui reiterada jurisprudência no sentido de que o modelo federal de fiscalização do Tribunal de Contas é de reprodução obrigatória pelos Estados, de modo que a Assembleia Legislativa somente pode julgar as contas do Chefe do Executivo. Assim como ao Congresso Nacional não é dado julgar as contas do Tribunal de Contas da União (TCU), também não é permitido à Assembleia Legislativa qualquer ingerência sobre o TCE/GO”.
O art. 6° do projeto de Barreto determina que “o TCE prestará, anualmente, contas de sua execução orçamentária, financeira e patrimonial à Assembleia Legislativa até 60 dias da data de abertura da sessão do ano seguinte àquele a que se referir o exercício financeiro das contas”.
O parágrafo 1º desse artigo estipula que “as contas do TCE devem conter os mesmos documentos e informações exigidos dos órgãos sujeitos à jurisdição do Tribunal, sem prejuízo de normas específicas editadas pela Assembleia Legislativa”.
Talles Barreto apresentou como justificativa a necessidade de “estruturar e evidenciar a prerrogativa desta Casa Legislativa no controle externo, promovendo uma análise detalhada das prestações de contas que lhe são constitucionalmente sujeitas e contribuindo para a otimização das entregas das políticas públicas, fortalecendo o papel do Parlamento como representante legítimo da sociedade”.
Em defesa da proposta, ele vem declarando que não se trata de retaliação política e não vê motivos para que o TCE não seja fiscalizado.
Já o governo, conforme divulgado pelo jornal O Popular nesta segunda-feira (26), argumentou que não tem ingerência sobre as decisões do Legislativo. Além disso, explicou que sua insatisfação sobre o caso das OSs e OSC será resolvida em recursos cabíveis contra o que chamou de posição equivocada do TCE.