Criada em outubro de 2006, a Lei de Drogas aumentou o número de encarceramento por crimes relacionados às drogas. No ano da promulgação da lei, 15% das pessoas que eram presas respondiam por crimes relacionados a drogas. Em 2014, esse número alcançou 28%, segundo números do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen/MJ).
“Houve mais de 160% de aumento de 2006 a 2016 e os presos por tráfico, que antes eram em torno de 15%, hoje são 28%. Isso mostra o papel que a aplicação disfuncional da Lei de Drogas tem nesse processo de super-encarceramento”, disse Cristiano Maronna, advogado e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminalísticas (IBCCrim) e secretário executivo da Plataforma Brasileira de Política de Drogas.
Em evento nesta sexta-feira (23) em São Paulo, na Associação dos Advogados de São Paulo, e que discutiu os dez anos da lei, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes reconheceu o aumento das prisões no país. “Caminhamos para chegar, daqui a pouco, a 650 mil presos, campeonato que não gostaríamos de ganhar, colocando-nos como uma sociedade altamente repressiva. E metade desse contingente é de presos provisórios”, disse ele durante sua palestra no evento, momento em que alguns espectadores exibiram faixas com os dizeres “Fora Temer”.
“Nossa lei mais recente [a Lei 11.343] veio com algum propósito no sentido de mitigar pelo menos o tratamento jurídico que se dava ao usuário, caminhando em uma linha que levasse à despenalização, mas também fazer distinções entre o traficante, aquele que está associado a esse comércio, daquele que tem uma prática eventual, as vezes condicionada à necessidade. A lei vem com esse propósito, mas surpreendentemente, com a aplicação da lei tivemos um aumento significativo das prisões”, disse o ministro.
Mendes é o relator de um processo que está em discussão no STF e que trata sobre a descriminalização das drogas. Mendes defendeu em seu relatório a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal e foi acompanhado parcialmente pelos ministros Luis Roberto Barroso e Edson Fachin, mas o ministro Teori Zavascki pediu vista.
“O ministro Gilmar votou pela administrativização do Artigo 28 [da lei de drogas], com o Artigo 28 deixando de ser uma norma penal e passando a ser considerado uma norma administrativa, de forma que a droga para uso penal continue a ser ilegal, porém um ilícito administrativo”, explicou Maronna.
Em sua decisão, Gilmar estende a decisão para todas as drogas e Fachin e Barroso apenas para a maconha. “As dificuldades que eu vejo são que, ao descriminalizar mas manter como ilegalidade administrativa podemos ter efeito mínimo porque, continuando ilegal, as dificuldades que temos hoje poderão continuar a existir com os mais vulneráveis, que podem continuar a ser atingidos de forma desproporcional pela lei como traficantes. Além disso, só a maconha é, a meu ver, incompreensível, porque a lei fala em droga e não me parece possível tratar apenas da maconha quando outras drogas fazem parte desse debate”, disse Maronna.
Embora especialistas afirmem que a lei criou avanços e alterou, por exemplo, o tratamento a usuários de drogas, que antes eram presos por isso, eles consideram que muitos ainda são presos porque há dificuldades para diferenciar a droga para uso e a droga para tráfico.
“Essa lei, quando foi editada, foi aclamada como um avanço porque ela deixou de punir, com prisão, a conduta da posse para uso pessoal, que antes era punido com uma pena de seis meses a dois anos de prisão. Com essa lei, as penas passaram a ser advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a cursos educativos. Isso foi uma evolução, mas na prática, como a lei não diferencia usuários e traficantes, porque os critérios são muito subjetivos, muitos usuários passaram a ser enquadrados como traficantes e passaram a ser condenados”, disse Maronna. Isso, segundo ele, passou a ocorrer principalmente com a população mais pobre, negra e vulnerável.
Outro problema, segundo os debatedores, é que a pessoa que faz a prisão é o policial, que é também, no geral, a única pessoa a dar o testemunho sobre o que foi apreendido e a quantidade encontrada, o que dá muita subjetividade à apreensão da droga. “Outra questão que precisa ser resolvida é a apresentação desse preso ao juízo competente. O intérprete da cena, no geral, acaba sendo o policial. Ele é a figura-chave normalmente desse contexto e faz a própria decisão. O juiz só terá contato com o preso quando já houver a judicialização. Enquanto isso, ele está preso ainda que seja um usuário”, disse Mendes.
Para o professor de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Maurício Dieter, é possível atuar como na Alemanha, em que o policial vai até o carro, pega uma balança e pesa a droga. “Ele [policial] faz o vínculo da droga com o sujeito. A palavra do policial é fonte exclusiva do que diz ‘essa droga é dele’. Segundo: é o policial a fonte exclusiva do conhecimento da relação psíquica do sujeito com a droga, por exemplo, ‘essa droga é para venda’. Como eles podem construir essa narrativa? O que temos que trabalhar juntos, com aferição de critérios objetivos, é a exclusão do policial do ato de flagrante. O Código do Processo Penal diz que o ato de flagrante tem que se dar com a presença de duas testemunhas. Em que momento se diz que essas duas testemunhas tem que ser dois policiais? Isso é um grave erro”, disse.
Com informações da Agência Brasil