Entidades da sociedade civil que acompanham a segurança pública e questões ligadas aos direitos humanos no Rio de Janeiro criticaram a decisão do Exército de “fichar” moradores de comunidades alvo de operações nesta sexta-feira (23). Moradores de três comunidades da zona oeste do Rio só podem deixar suas regiões após passarem pelo cadastramento das Forças Armadas.
Diferentes pontos de identificação foram montados em diversas saídas das comunidades. A foto e o RG dos moradores são enviados por um aplicativo para um setor de inteligência das forças de segurança, que avalia se o identificado tem anotação criminal.
Procurados, o Ministério Público do Rio e o Tribunal de Justiça do Estado ainda não se manifestaram.
Já a Justiça Global anunciou que enviou à ONU (Organização das Nações Unidades) e a OEA (Organização dos Estados Americanos) pedido para que mande observadores internacionais para acompanhar as ações da intervenção no Rio. Segundo a pesquisadora da ONG Lena Azevedo, a medida fere o direito de ir e vir e a presunção de inocência.
Ela questiona ainda a ação direcionada às populações negras e pobres do Rio. A pesquisadora diz que a política se assemelha ao regime de segregação racial do Apartheid, na África do Sul, nos anos 1980 e 1990. E critica ainda a revista de mochilas de crianças por soldados do Exército.
“O grande traficante, aquele que usa helicópteros e fazendas de políticos, não está sendo combatido. O que está sendo feito é nada mais que uma política de controle da população negra do país”. Em nota, a Justiça Global critica as ações recentes com o apoio das Forças Armadas em favelas do Rio.
“A preocupação crescente com as violações que ela pode desencadear amplifica-se ainda mais à luz de episódios anteriores de utilização das Forças Armadas como agentes de segurança pública no Rio”, afirma. A nota lembra da operação do Exército na favela do Salgueiro, em São Gonçalo, no ano passado, na qual oito pessoas morreram. Conforme a Folha de S.Paulo publicou na última quarta (22), as mortes ainda não foram esclarecidas e a investigação da participação de militares no caso não andou.
A socióloga Julita Lemgruber, integrante do Centro de Estudos de Segurança Pública da Universidade Cândido Mendes, afirmou que “é elementar que qualquer ato de polícia, seja praticado por militar ou não, precisa ter motivação legal”. Segundo ela, a abordagem do Exército a moradores de comunidades “é medida que viola o direito constitucional de todo cidadão de não ter sua liberdade e intimidade cerceada”.
O centro de estudos, a Anistia Internacional e a Defensoria Pública do Estado irão criar um observatório para monitorar as ações da intervenção e denunciar abusos cometidos pelas autoridades. Serão formados conselhos de moradores de favelas para ajudar no controle externo das ações.
A página Maré Vive, administrada por líderes comunitários da favela da Maré, zona norte, criticou as revistas e fotografias feitas por militares na ação desta sexta-feira (23). Em postagem, ela questiona se o mesmo procedimento seria feito em bairros nobres da cidade.
“Eu queria ver se isso algum dia vai acontecer no Leblon, Ipanema, Flamengo, Laranjeiras, Barra, qualquer lugar que não a favela. Imagina. Ia aparecer logo um advogado, um filho de juiz, um [ministro do] STF de toga do caralho a quatro, um jornalista vendido, dizendo que isso é proibido, que tá atrapalhando a livre circulação do cidadão de bem, que não tem motivo de fazer com todo mundo! Me poupem!”. (Folhapress)