Publicidade
Saúde
| Em 2 anos atrás

A saúde depois da Covid-19: médicos alertam sobre danos prolongados da doença

Compartilhar

Mesmo após a vacinação, queda de óbitos, diminuição de casos graves de hospitalizações, e da falsa sensação de controle, a Covid-19 continua trazendo transtornos, muitos deles com potencial prolongado e permanente. A grande preocupação, agora, está no aumento dos relatos de pacientes jovens, sem comorbidades, que tomaram duas ou três doses da vacina, com queixas de problemas de memória, raciocínio, vertigens e tonturas. Características que não matam, mas que podem causar grandes sequelas e problemas na vida cotidiana.

Apesar de ser uma doença que atinge principalmente as vias respiratórias, estudos demonstraram que a Covid-19 também pode provocar lesões em outros sistemas, causando danos que podem se estender por longos períodos. Entre as queixas mais preocupantes estão os distúrbios neurológicos e os auditivos vestibulares, que afetam o equilíbrio, a memória e a audição. 

Publicidade

O neurologista, chefe da Unidade de Neurologia e Neurocirurgia do HC-UFG, Délson Silva, explica que a nível neurológico, as sequelas mais comuns são “cefaleia (dor de cabeça), tontura, vertigem, zumbido, perda de memória, distúrbio de atenção, AVC (acidente vascular cerebral), trombose venosa cerebral, neuropatia (inflamação nos nervos periféricos) e mielopatia (inflamação da medula)”.

Publicidade

Ainda de acordo com o otorrinolaringologista, especialista em otoneurologia, área que trata de distúrbios de equilíbrio, Eduarley Belle, cerca de “14,8% dos pacientes apresentam zumbido, 7,6%  perda auditiva e 7,2% vertigem”. Pesquisas recentes mostraram que 7% a 12% dos pacientes também relatam tonturas. 

Publicidade
Cerca de 7% dos pacientes apresentam tontura e vertigem. Foto: Reprodução

Tontura e Vertigem

A designer de moda Tainara Maia, 27 anos, se enquadra nessa estatística, teve queixas de dor de cabeça, perda de memória e desenvolveu quadro de labirintite. A designer relata que os sintomas apareceram uma semana após a infecção e que ainda sofre com as crises de tontura. “Ainda sinto as falhas de memória e a labirintite, que está em tratamento há mais de um mês.” Tainara menciona que as sequelas afetaram coisas comuns do cotidiano. “As sequelas me atrapalham a executar tarefas simples do dia a dia. Nas crises de labirintite até abaixar para pegar objetos exige mais esforço”. 

A bióloga Ludimila Pereira, 30 anos, conta que teve “crises fortíssimas de tontura e vertigem”, mas que a perda de memória foi ainda pior. “Não consigo guardar nada com qualidade. Me atrapalha muito no meu trabalho com o doutorado, tenho sempre que me esforçar muito pra conseguir fazer as coisas”, afirma a doutoranda em biologia. 

Publicidade

De acordo com o otorrino, os distúrbios de equilíbrio, perdas auditivas e o zumbidos podem aparecer em diferentes fases da doença, e também persistir por períodos mais prolongados. “As sequelas podem ser permanentes, mas se as manifestações otoneurológicas forem detectadas e tratadas precocemente, há chances de serem revertidas parcial ou totalmente”, pontua Eduarley.

O médico alerta para o uso de medicamentos vestíbulo tóxicos, ou seja, que possuem substâncias capazes de provocar danos e lesões no sistema de equilíbrio. Alguns desses remédios eram recomendados por médicos no “kit covid” e utilizados por muitos pacientes de forma preventiva. “Geralmente, os compostos vestíbulo tóxicos provocam lesão nos dois labirintos e nas vias neurológicas vestibulares centrais. Muitos medicamentos são potencialmente vestíbulo tóxicos, até mesmo aqueles usados classicamente para o tratamento da Covid-19, como: Cloroquina e Hidroxicloroquina, Azitromicina, Lopinavir, Ritonavir, Interferon, Ribavirina, Ivermectina”, conta o otorrinolaringologista.

Confusão mental, memória ruim e dificuldade de raciocínio também são comuns. Foto: Reprodução

Memória e Raciocínio

Além dos problemas relacionados à tontura, vertigens e déficit de atenção, outros sintomas comuns são as queixas de memória e raciocínio. A biomédica esteta Luana Campelo, 30 anos, relata que trinta dias depois de positivar, começou a notar mudanças na memória, que persistiram por um tempo. “Quando voltei a trabalhar, dois meses após a infecção, eu não lembrava mais de algumas coisas importantes, como por exemplo, a quantidade de soro fisiológico para reconstituir a toxina botulínica. É como se eu nunca nem tivesse trabalhado com isso”, diz Luana. 

Délson conta que uma das explicações para essa variação do surgimento das queixas e persistência dos sintomas está relacionado a reação imunológica de cada paciente. “Uma das hipóteses é uma reação imunológica exacerbada com ataque de anticorpos, citocinas e quimiocinas, com consequente lesão em tecidos dos órgãos”, diz o neurologista. De acordo com o médico, idosos, imunodeprimidos e portadores de comorbidades possuem mais chances de desenvolver esse tipo de reação. 

Em relação aos pacientes jovens e sem comorbidades, as reações podem estar  relacionadas a alteração imunológica provocada pela vacina contra covid. “As vacinas, no geral, provocam alteração no sistema imunológico. Algumas vezes, com diminuição da imunidade, momentaneamente, devido ao desvio da atenção do sistema para aquela vacina, provocando ativação de interleucinas e mediadores inflamatórios”, descreve o médico otorrinolaringologista.

Mesmo tendo tomado as duas doses da vacina contra covid-19 na época em que teve a infecção, o engenheiro civil Gustavo Japiassú, 32 anos, conta que percebeu problemas em relação a memória e raciocínio 14 dias após positivar. “Sinto que prejudicou em qualquer tarefa que envolva matemática. A questão da velocidade de raciocínio sinto que até hoje está prejudicada. Eu fazia muitas contas com relativa facilidade, depois do covid tem sido mais difícil”, explica o engenheiro. 

A confusão mental, chamada de “brain fog”, também é muito comum, de acordo com o neurologista. “No Brain fog, o paciente refere como se a mente ou pensamento estivesse embaçado é um sintoma muito comum, que na maioria das vezes desaparece com o tempo”. Foi assim com o engenheiro civil,  “a perda de memória recente, de alguém me falar algo e eu não lembrar, com o tempo voltou ao normal”, conta Gustavo.

A teoria que explica a ação do vírus no sistema neurológico é que há uma tendência de que ele entre no tecido neuronal por meio da circulação sanguínea e se ligue a receptores nervosos. A infecção pelo covid provoca uma ação inflamatória no sistema nervoso, caracterizada pela resposta imunológica. “O sistema nervoso é mais susceptível a infecção e há tropismo do vírus para o tecido nervoso, além do que ocorre reações imunológicas que atacam este tecido e também lesões da parede dos vasos cerebrais que propiciam a trombose (coagulação sanguínea nas veias e artérias)”, afirma Délson. 

Tratamento

Segundo os especialistas, não há tratamento com remédios, mas o acompanhamento médico, de diferentes especialidades, é importante. “Nos casos que mais interferem na vida do paciente, reabilitação cognitiva, atividade física e terapia ocupacional mental podem ajudar a superar. Não há tratamento medicamentoso para o mesmo, no entanto acompanhamento neurológico é recomendado”, conclui o neurologista. 

Para Eduarley, quanto mais cedo o paciente procurar ajuda médica e tratamento, melhor. “É importante que a reabilitação auditiva e vestibular sejam iniciadas o mais precoce possível, com uma equipe multiprofissional formada por médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, odontólogos, psicólogos e nutricionistas”, afirma o otoneurologista.

Publicidade
Luana Cardoso

Atualmente atua como repórter de cidades, política e cultura. Editora da coluna Crônicas do Diário. Jornalista formada pela FIC/UFG, Bióloga graduada pelo ICB/UFG, escritora, cronista e curiosa. Estagiou no Diário de Goiás de 2022 a 2024.