O Ciclo do Ouro deixou muitas marcas no Brasil ao longo do século XVIII. Em Minas Gerais, as cidades históricas são heranças dessa época e guardam um extenso legado arquitetônico e cultural. Entre o chamado Circuito do Ouro, a pouco mais de 100 km a leste de Belo Horizonte, e os caminhos da Estrada Real, que se espalham do sul de Minas até Diamantina, há diversos destinos e roteiros turísticos para escolher e embarcar em uma viagem pela história.
Muito além daqueles nomes mais famosos, como Ouro Preto, Congonhas, Sabará e Mariana, por toda essa região existem outras tantas cidades para descobrir, repletas de grandes tesouros: pousadas charmosas, boa gastronomia, atrativos tocados por pequenos empreendedores, construções antigas e belezas naturais. Nas cidades de Catas Altas, Santa Bárbara, Santana dos montes e Tiradentes, reunimos uma série de experiências únicas, sempre permeadas pela boa e conhecida hospitalidade mineira.
Como muitas cidades de Minas Gerais, Catas Altas começou sua história graças à exploração do ouro. Essa é inclusive a origem de seu nome, pois “catas” é um método de extração, e “altas” porque acontecia na Serra do Caraça. Com pouco mais de cinco mil habitantes, Catas Altas encanta com sua tranquilidade do interior e o belo cenário em seu entorno, a cerca de 120 km de Belo Horizonte. O seu pequeno centro histórico proporciona uma vista digna de cartão-postal para a serra, que aparece ali de forma imponente.
Para ter uma visão completa desse panorama, vá à praça principal, cercada por casarões coloniais e diante da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. A igreja, que também funcionava como câmara, foi erguida entre 1729 e 1780. E essa construção conta um pouco da história local: ainda que boa parte dela mostre aquela opulência típica do barroco, foi entregue incompleta pela falta de recursos devido ao declínio da extração do ouro na região já no final do século XVIII.
Ainda na praça central, aproveite para conhecer o restaurante La Violla. Além de um ambiente muito agradável e descontraído, conta com pratos deliciosos, que mostram um lado mais moderno da cozinha mineira. Vale muito experimentar os defumados da casa, que derretem na boca de tão macios: costelinha ao molho barbecue de jabuticaba com banana chips e cupim com cebolas e batata rústica. A casa conta ainda com uma ampla oferta de cervejas locais.
Um pouco da história de Catas Altas passa também por um produto bem inusitado. Depois do declínio do ouro, o povoado encontrou uma fonte de renda no cultivo da uva e produção de vinho. Muitos anos depois, já em meados do século XX, fizeram o teste de fabricar vinho usando apenas a jabuticaba, fruta abundante na cidade. A ideia deu certo e a bebida tornou-se uma tradição local.
Natural de Catas Altas, Jesuína Pereira de Souza conta que aprendeu a fazer o vinho de jabuticaba com sua mãe, na época apenas para consumo próprio. Em 2010, aprimorou a produção e criou sua própria marca, a Vinho Aluar. Em sua adega, Jesuína recebe visitantes e mostra com orgulho sua produção artesanal, na qual toma conta de cada detalhe. O processo segue as mesmas etapas da fabricação de um vinho tradicional, de uva. Ali, é possível provar e comprar vinhos de jabuticaba tintos, brancos, secos ou suaves, além de licores, geleias e compotas.
Em Catas Altas, a dica de hospedagem fica por conta da Pousada Vivendas da Serra, que acerta em cheio ao oferecer um aconchego bem mineiro. O café da manhã, caseiro e muito bem servido, é um dos destaques. O local conta ainda com piscina, quartos amplos e uma linda vista para a Serra do Caraça.
É em meio à Serra do Caraça, a quase 1.300 metros de altitude, que está um dos cenários mais impressionantes da região. Pela estrada sinuosa que leva ao Santuário do Caraça, uma torre de igreja surge aos poucos em meio à vegetação e aos contornos do relevo, bem na baixada da serra. Uma paisagem tão inspiradora que fez D. Pedro II dizer que “só o Caraça paga toda a viagem a Minas”.
A visita do imperador a esse local que, na época, era tão isolado, é apenas um dos vários e muito interessantes capítulos da história do Santuário do Caraça. Só sua fundação, por exemplo, é digna de filme. Detalhes à parte, em 1774, o local abrigava uma pequena capela. Pelas décadas seguintes, funcionou como uma hospedaria para romeiros e viajantes, até que, em 1820, se tornou um prestigiado colégio interno para garotos. Foi o segundo maior do Brasil durante a época do Império.
Porém, um grande incêndio em 1968 obrigou o colégio a fechar as portas. Mais de 20 anos depois, em 1989, o espaço foi reaberto pela Província Brasileira da Congregação da Missão, como um centro de peregrinação, pesquisa e turismo. Atualmente, conta com pousada, restaurante, trilhas e muito mais, além de ser um patrimônio tombado, uma das sete maravilhas da estrada Real e uma Reserva Particular do Patrimônio Natural, com mais de 11 mil hectares entre as cidades de Catas Altas e Santa Bárbara.
No centro de tudo está a igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens, a primeira em estilo neogótico no país, pronta em 1883. Chamam a atenção a torre de 50 metros de altura e, na parte interna, as colunas que lembram palmeiras, a maior pintura em tela feita por Mestre Ataíde e o corpo embalsamado de São Piomártir (um presente do vaticano).
O Santuário do Caraça é aberto a visitas, mediante pagamento de uma taxa. Vale ir com um guia cadastrado, não só pelas curiosidades históricas, mas também caso queira explorar a propriedade em uma de suas várias trilhas, que levam a mirantes e cachoeiras.
Para quem quer ter uma experiência ainda mais imersiva, o Caraça oferece uma pousada com cerca de 40 acomodações. Apesar de simples, é muito concorrida, com reservas que esgotam com meses de antecedência. Além de aproveitar um ambiente muito tranquilo, quem se hospeda no Caraça pode ter a sorte de ver os lobos-guará, que costumam aparecer em frente à igreja quase que diariamente, a partir do entardecer.
Por Patrícia Chemin – Revista Qual Viagem