Na educação antirracista, a escola não pode nem deve estar sozinha. A família também precisa educar as crianças e os adolescentes em prol de reflexões a respeito de ações racistas. Pedir desculpas ao colega, ser privado de algum lazer ou simplesmente “brigar” não é o caminho mais adequado, já que são ações pontuais. Abaixo, destaco sugestões de ações contínuas para as famílias cumprirem seu papel fundamental nesta construção.
Nas lojas, as bonecas em sua maioria são brancas, loiras e com olhos claros. A diversidade brasileira não é explícita nesses brinquedos. Oferecer bonecas negras às crianças é mostrar que crianças/bonecas são diferentes e bonitas.
Outra indicação são os jogos de tabuleiros com temáticas africanas como Mancala (Egito), Tsoro Yematatu (Zimbabwe) e Fanorona (Madagaskar), que trabalham estratégia e raciocínio lógico e, por serem africanos, é uma boa oportunidade de conhecer os países de origem e suas histórias.
Incentivar as crianças e os adolescentes a assistirem filmes e séries que problematizam o racismo ou tragam personagens principais com autores negros é uma das sugestões. Alguns exemplos são “Estrela Além do Tempo”, “A Mulher Rei”, “Pantera Negra: Wakanda Para Sempre”, “Histórias Cruzadas”, “Ray”, “Mãos Talentosas: A História de Ben Carson” e “A Vida e a História de Madam C. J. Walker”. Como sugestões de séries que abordam as realidades de pessoas negras indico “Quem Matou Malcolm X?”, “Olhos que Condenam” e “The Get Down”.
Estes filmes e séries trazem elementos para toda família pensar a questão racial, e ainda acrescento mais alguns: “Encanto”, “Soul”, ”Space Jam: Um Novo Legado”, “O Mundo de Greg”.
O continente africano contribuiu efetivamente com a culinária brasileira. Fazer pratos de origem africana pode oferecer um aprendizado diferenciado para as crianças e adolescentes na medida que a família pode pesquisar o país de origem e conversar sobre eles durante a refeição.
Doces como o malva pudding (ou pudim malva), tradicional da África do Sul, é muito semelhante a um bolo. Os principais ingredientes de sua preparação são a geleia de damasco e o açúcar mascavo. É um prato bastante doce e o jeito de servir é quente e acompanhado por sorvete ou um creme de baunilha.
Outro doce é o xalwo, oriundo da Somália. Ele é servido em festas, celebrações e ocasiões especiais, como casamentos. Leva amido de milho, açúcar, manteiga ghee, cardamomo em pó e noz-moscada. Para incrementar o sabor, algumas receitas levam amendoim, conferindo mais textura e sabor ao prato.
Por fim, o koeksisters lembra nosso bolinho de chuva. É frito e, ao invés de ser passado no açúcar canela, ele é banhado em uma calda feita com açúcar, limão e especiarias. Outra diferença está no formato, que, ao invés de redondo, lembra muito uma trança. Ao pesquisar os nomes na internet, é possível acessar as receitas e os modos de fazer.
O racismo é algo sério e deve ser problematizado. Ignorar falas racistas de crianças e adolescentes é evidenciar que a fala ou a atitude é autorizada. Quando uma criança negra sofre o racismo e não a acolhemos ou ignoramos, ensinamos que o fato é normal. E, em ambos os casos, não são. Não podemos ignorar falas racistas e não podemos negligenciar quem sofreu o racismo.
É preciso sentar e conversar para entender o ocorrido e, em seguida, levantar questionamentos como: “por que você falou isso?”, “por que você agiu assim?”, “o que te faz entender que sua fala é correta?”. Ou seja, levar a criança a pensar sobre suas ações e não oferecer falas prontas como “isso é feio”, “isso não se faz”, “você está errado”.
As conclusões e reflexões das crianças e dos adolescentes podem ser construídas por elas mesmas a partir de perguntas que permitam repensar falas e atitudes. Mas reforço: isso não pode terminar no diálogo, sendo uma proposta pontual. O trabalho antirracista segue em ações propostas anteriormente.
A escola e a família estão imersas em um país racista e as ações, práticas, falas e depoimentos fazem parte dessa reconstrução. A atenção devida ao tema com crianças e adolescentes é de extrema importância se desejamos mudar nossa sociedade. Ângela Davis ensina que “numa sociedade racista, não basta não ser racista, é necessário ser antirracista”. Então, mãos à obra!
Por Janaina de Azevedo Corenza
Pedagoga e doutora em Educação. Atua como professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro. É organizadora do Livro “Práticas curriculares antirracistas: temas em construção” (Wak Editora).