Uma fiscalização feita pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) em 2.936 unidades de saúde apontou que 26% destes locais tinham mais de 50 problemas de estrutura, como itens em falta ou fora das normas sanitárias.
Destas unidades, 175 apresentavam mais de 80 itens irregulares. Entre os problemas encontrados, estão falta de aparelho de medir pressão (situação detectada em 17% dos locais), termômetros (em 8%) e até pia para lavar as mãos (8%).
Parte dos postos e centros analisados apresentava ainda ausência de espaços adequados para esterilização de materiais (15%) e de banheiro para deficientes (36%), por exemplo. Também foi detectada falta de equipamentos indicados para suporte inicial em casos de emergência, como desfibrilador -este, ausente em 70% das unidades.
Os dados, coletados entre janeiro de 2015 e junho de 2017 e apresentados nesta quarta-feira (19), representam um contra-ataque das entidades médicas às recentes declarações do ministro da Saúde, Ricardo Barros, que afirmou na última semana que os médicos “fingem que trabalham”.
“Não são os médicos que não querem trabalhar. São as autoridades sanitárias que não permitem”, rebateu o presidente do CFM, Carlos Vital.
“Estamos falando do mínimo necessário”, completa. “Falta tudo ou quase tudo.”
Segundo ele, um dossiê que apresenta o resultado da fiscalização e outros problemas de estrutura na rede de saúde será entregue ao ministro Ricardo Barros, em conjunto com um manifesto assinado pelas entidades médicas.
No documento, conselhos afirmam que devem reforçar o envio de denúncias sobre as más condições de estrutura em alguns locais ao MPF (Ministério Público Federal) e até mesmo para fóruns internacionais -caso da OMS (Organização Mundial de Saúde) e OEA (Organização dos Estados Americanos), por exemplo.
De acordo com o documento, a medida busca “levar os gestores dos serviços prejudicados a tomarem as medidas necessárias à normalização dos atendimentos, bem como sua responsabilização legal em caso de irregularidade”.
Uma primeira iniciativa deve ser levada ao MPF para exigir a renovação dos contratos de profissionais de saúde e melhores condições de trabalho nos hospitais federais do Rio de Janeiro, afirma o presidente do Cremerj, Nelson Nahon.
Antes do encontro com os conselhos de medicina, no entanto, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, tentou rebater as críticas por meio de uma carta aberta, divulgada na manhã desta quarta-feira.
No documento, Barros defende que a declaração dita na última semana -de que as prefeituras precisam “parar de fingir que pagam, e o médico parar de fingir que trabalha -foi retirada do contexto. Segundo o ministro, a ausência de médicos nos postos “é um problema real”, o que faz com que o número de consultas na atenção básica fique 43,8% abaixo do esperado.
A carta cita ainda 878 ações e recomendações abertas pelo Ministério Público Federal contra prefeituras por falta de cumprimento da carga horária dos profissionais de saúde e em defesa do ponto eletrônico. Também cita estudo do Banco Mundial que diz que o país tem estrutura para aumentar em 37% a produtividade na atenção básica.
O presidente do CFM, Carlos Vital, porém, rebate os dados. Segundo ele, o cálculo feito pelo Banco Mundial não considera a realidade do país.
“É um cálculo feito em cima de condições ideais de trabalho. O Banco Mundial não fez esse cálculo levando em consideração que o médico não tem pia para lavar as mãos, e o paciente também não”, afirma. “Se fossem levadas em conta as situações relatadas, a produtividade estaria além do que se poderia esperar”, completa.
Ainda de acordo com Vital, essa é a terceira vez que o ministro faz críticas ao trabalho dos médicos, o que reforça que não houve distorção dos dados. “Isso retrata uma enorme injustiça com a classe”, diz ele, que afirma ainda que as entidades são favoráveis à biometria.
“Controle e avaliação conselhos sempre reivindicaram. A classe médica quer”, diz, referindo-se à proposta do governo em instalar a ferramenta para controle de presença nas unidades de saúde.
Já para o ministro, “a realidade demonstra que a jornada de trabalho não é cumprida pelos profissionais”. “São 878 ações e recomendações contra gestores [por esse motivo]”, afirma.
Ele admite, porém, que pode haver falhas de estrutura nas unidades de saúde. Mas rebate as críticas do CFM de que são as autoridades de saúde que não permitem o trabalho. “A partir do momento em que o médico estiver no posto de saúde, vamos poder avaliar sua produtividade. Se ele não está lá, não posso avaliar”, diz.
Questionado sobre a declaração polêmica da última semana, Barros afirma que usou uma figura de linguagem para defender “salários melhores aos médicos” e voltou a defender a adoção de biometria e controle de desempenho. Ao todo, a previsão é investir R$ 1,5 bilhão, divididos entre União e prefeituras, para informatização do sistema de saúde até 2018, o que permitirá a instalação da biometria, informa. (Folhapress)