A decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que permite a desapropriação de propriedades rurais onde forem comprovados incêndios criminosos ou desmatamento ilegal, tem causado forte apreensão entre produtores rurais de todo o país. O entendimento foi firmado no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 743, que visa reestruturar a política de prevenção e combate a incêndios no Pantanal e na Amazônia.
De acordo com a nova interpretação, propriedades que descumprirem sua função social que, segundo a Constituição, inclui tanto a produtividade quanto a preservação ambiental podem ser destinadas à reforma agrária. A decisão também impede que terras associadas a crimes ambientais sejam regularizadas e prevê ações de indenização contra os responsáveis.
Para a advogada Márcia Alcântara, especialista em Direito Agrário e do Agronegócio, a medida representa uma mudança profunda na relação entre o setor rural e o Estado. “Antes, o produtor tinha a chance de ser notificado, autuado e de firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para corrigir o problema. Agora, essa possibilidade praticamente desaparece”, afirma.
Ela ressalta que a definição de crime ambiental vai além de grandes desmatamentos. Inclui práticas como queimadas não autorizadas, captação de água sem outorga, descarte inadequado de embalagens agrícolas e até a retirada de vegetação sem licença prévia. “Com mais de 27 mil normas ambientais em vigor no Brasil, é muito difícil um produtor cumprir integralmente todas as exigências. O risco de perder a terra por qualquer irregularidade, inclusive herdada, é real”, alerta.
Outro ponto que preocupa o setor segundo a especialista é a falta de critérios claros para a aplicação da decisão. “Quem vai fiscalizar? Quem vai julgar? Quais os parâmetros para determinar a desapropriação? Isso não está especificado. Essa omissão abre espaço para interpretações perigosas”, destaca Márcia.
Ela levanta ainda uma questão prática: se um crime ambiental ocorreu em apenas uma pequena parte da propriedade há vários anos, toda a área poderá ser desapropriada? “Não sabemos se a punição será restrita à área afetada ou se vai alcançar toda a fazenda. É uma medida desproporcional e que gera insegurança jurídica”, afirma.
Orientação
Como orientação preventiva, a advogada recomenda que produtores registrem boletins de ocorrência sempre que houver indícios de incêndios ou danos ambientais que não tenham sido causados por eles. “Se houver uma queimada acidental ou provocada por terceiros, é essencial comunicar à polícia para provar que o produtor não tem responsabilidade”, sugere.
Márcia também critica a falta de estrutura do poder público para investigar esses casos e oferecer suporte técnico aos produtores. “Por que o Estado não fornece equipamentos para construção de aceiros? Por que não há mais campanhas de educação ambiental nas zonas rurais? Está tudo nas costas do produtor”, afirma.
Diante da insegurança gerada, a advogada defende que o Congresso Nacional debata o tema com urgência. “Se necessário, que se promova uma emenda constitucional para estabelecer limites e condições claras para a aplicação dessa decisão. Não sou contra a preservação ambiental, mas é preciso equilíbrio. Não podemos transformar o produtor rural em inimigo da natureza”, conclui.
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