A possibilidade de alterar, encerrar ou contestar um acordo coletivo firmado entre o Sindicato dos Empregados em Empresas de Asseio e Conservação (SEACONS) e a Companhia de Urbanização de Goiânia (COMURG) levanta debates jurídicos complexos. Especialistas afirmam que se a Prefeitura de Goiânia pretende romper o acordo, deve seguir caminhos legais e não pode agir de forma unilateral. Entretanto, o tema envolve diversas questões jurídicas que exigem análise detalhada.
O caso envolve a participação da Prefeitura de Goiânia e do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), com implicações trabalhistas e administrativas que demandam análise cuidadosa. Vale lembrar que um dos principais focos do prefeito Sandro Mabel é acatar a recomendação do Ministério Público de Goiás (MPGO) para auditoria externa e anulação de cláusulas de acordo coletivo trabalhista da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg).
Em recente entrevista ao Diário de Goiás, o presidente do SEACON, Melquisedeque Souza, reforçou que não há ilegalidade nos salários recém divulgados pela mídia, mesmo que considerados altos, pois estão dentro do Acordo. A seguir, o Diário de Goiás reuniu opiniões de especialistas para entender os aspectos legais e os potenciais desdobramentos dessa situação.
O advogado trabalhista Fabrício Milhomens, Sócio do escritório de advocacia Gomes & Milhomem explica que para que um acordo coletivo seja modificado de forma forçada, sem o consentimento de ambas as partes envolvidas – o empregador e o sindicato, no caso, o SEACONS – é imprescindível a intervenção da Justiça do Trabalho. “Para que essa alteração aconteça, a Justiça do Trabalho precisa avaliar a legalidade do acordo e determinar se há qualquer tipo de cláusula ilegal ou prejudicial”, afirmou Milhomens.

Milhomens aponta que, caso uma entidade pública queira modificar um acordo coletivo, a única justificativa válida seria demonstrar que a cláusula em questão foi criada para beneficiar interesses particulares de forma ilegal ou prejudicial ao bem público. “A única forma de alterar essas disposições de maneira forçada seria provar um desvio de finalidade ou conduta com relação aos benefícios previstos no acordo”, explicou o advogado.
A mudança no gestor municipal e a atuação do Ministério Público Estadual e do Trabalho são fundamentais neste processo, uma vez que é necessário uma ação conjunta desses órgãos para que se leve a questão à Justiça de forma legal e robusta.
Em recente declaração o prefeito Mabel garantiu que estão sendo realizadas conversas também junto ao Tribunal do Trabalho. Ali foram feito coisas que esfolam a população. Esse sistema de urbanismo da cidade gasta R$ 103 milhões por mês. Eu consigo fazer por R$ 30 milhões. Então, tem R$ 70 milhões jogados, de alguma forma, fora. Isso tem que acabar”, ponderou Mabel. “São quase R$ 1 bilhão por ano que é jogado literalmente no lixo”, acrescentou.
Questionado pelo Diário de Goiás a respeito do respaldo da legislação com relação à revisão das cláusulas existentes no acordo coletivo trabalhista, o prefeito frisou: “lei ilegal é inconstitucional, acordo também pode ser inconstitucional. Então, a gente tem que entender o que é direito e respeitar os direitos. O que é abuso, nós não vamos seguir”, sublinhou Mabel. “Isso tem que acabar ou a gente não conserta essa cidade”, salientou o prefeito afirmando:
Agora, aqueles que não trabalham, que têm uns salários malucos, esses a gente vai ter que eliminar.
O Papel do Ministério Público do Trabalho
A conselheira seccional da OAB/GO Thanilla Oliveira explica que a Prefeitura também pode questionar a legalidade de um acordo por meio de uma Ação Civil Pública, especialmente quando identificar que o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) viola normas de ordem pública, compromete o erário ou estabelece condições contrárias ao interesse coletivo.
“Nesse contexto, o Ministério Público do Trabalho (MPT), atuando como fiscal da lei, também possui legitimidade para participar do debate, assegurando que o ACT esteja em conformidade com a legislação vigente e protegendo os interesses da coletividade. Assim, a intervenção da Prefeitura e do MPT busca garantir a observância dos princípios legais e a preservação do interesse público”, afirmou a conselheira.

Segundo a advogada, o Ministério Público do Trabalho (MPT) pode intervir em discussões envolvendo Acordos Coletivos de Trabalho (ACT) “com base em sua função institucional de defender a ordem jurídica, os direitos sociais e os interesses coletivos dos trabalhadores, conforme previsto nos artigos 127 e 129 da Constituição Federal”.
Sociedades de Economia Mista: Regras Diferenciadas
Gilmar Júnior, advogado especializado em direito trabalhista, trouxe à tona a questão das sociedades de economia mista, que possuem uma natureza jurídica distinta das empresas privadas. Ele explicou que essas entidades, por sua própria natureza, devem seguir regras mais rígidas em relação à remuneração e à gestão financeira.

“Uma sociedade de economia mista, como a COMURG, precisa seguir o artigo 37 da Constituição, que estabelece um teto salarial para os servidores públicos. Isso significa que, se o acordo coletivo permitir que os salários ultrapassem esse teto, há uma violação da Constituição”, explicou Júnior.
Revisão do Acordo Coletivo: A Possibilidade de Adequação
Júnior destaca que, caso o acordo coletivo ultrapasse o limite salarial imposto pela Constituição, ele não precisa ser anulado por completo. A solução, segundo ele, seria uma revisão para adequar o acordo às normas constitucionais. “Não é necessário anular o acordo inteiro, mas sim ajustar algumas cláusulas que estão em desacordo com o que prevê a Constituição”, disse o advogado.
Ele ainda explicou que, em um cenário em que o acordo fosse anulado, a sociedade de economia mista precisaria adequar todos os processos internos às normas legais, com a possibilidade de um novo acordo coletivo sendo firmado no futuro.
Os Riscos Jurídicos do Rompimento do Acordo Coletivo
Os riscos jurídicos e trabalhistas de um rompimento unilateral de um acordo coletivo são substanciais. O advogado Gilmar Júnior explicou que, caso o acordo seja anulado, ele deixa de ter validade, o que pode gerar uma série de implicações para as partes envolvidas, principalmente para os trabalhadores que já se beneficiaram dos direitos estabelecidos no acordo.
“Se o acordo coletivo for anulado, o impacto para os trabalhadores será imediato. Eles poderão ter que devolver valores que já foram pagos, além de perderem os benefícios previstos no acordo”, alertou Júnior. Ele destacou que a mudança no acordo coletivo pode afetar tanto os direitos financeiros dos empregados quanto a gestão orçamentária da entidade pública, que precisará ajustar seus pagamentos de acordo com a legislação vigente.
A Representação Sindical: O Papel do Sindicato na Proteção dos Trabalhadores
A participação do sindicato é fundamental em qualquer processo de modificação ou contestação de um acordo coletivo. Gilmar Júnior explicou que, no caso de uma revisão ou rompimento do acordo, os trabalhadores precisam ser representados pelo sindicato. “O sindicato tem o papel de representar a coletividade dos trabalhadores, e qualquer ação judicial envolvendo a modificação de um acordo coletivo precisa ser promovida com a sua participação”, afirmou.
No entanto, os trabalhadores também têm a opção de entrar com uma ação individual, mas isso exigiria que o sindicato estivesse incluído no processo para garantir que a decisão judicial tenha validade para todos os empregados envolvidos. “Os trabalhadores podem, sim, entrar com ação individual, mas o sindicato precisa estar presente para garantir que todos os direitos sejam protegidos”, concluiu Júnior.
Perspectivas e soluções possíveis
Os especialistas concordam que a melhor solução para a COMURG e para a Prefeitura de Goiânia seria buscar o diálogo e, se necessário, recorrer à Justiça do Trabalho para mediar a situação. “O ideal é que a COMURG busque o Ministério Público do Trabalho para avaliar a legalidade do acordo e propor eventuais adequações. Isso evitaria conflitos prolongados e garantiria segurança jurídica para todas as partes envolvidas”, sugere Fabrício Milhomens.
Por outro lado, Gilmar Júnior destaca que, caso o acordo coletivo seja anulado integralmente, a COMURG precisará retornar ao status quo legal, o que pode gerar transtornos operacionais e financeiros. “A ausência de um acordo coletivo coloca os trabalhadores sob as regras gerais da legislação trabalhista, o que pode não atender às particularidades da empresa”.
Já Thanilla Oliveira explica que, para que a municipalidade consiga modificar de forma forçada ou anular alguma cláusula do acordo coletivo, seria necessário demonstrar que a disposição no acordo, como a de verificação ou incorporação, foi feita para beneficiar pessoas específicas, causando prejuízo para a empresa ou para a própria municipalidade.
“A única forma que eu vejo de ser modificado isso, digamos que, na base da força, com a atuação da Justiça, é se for comprovado algum tipo de desvio de finalidade ou de desvio de conduta com relação a esse benefício específico que está previsto no acordo coletivo”, finalizou a conselheira seccional da OAB/GO.
Entenda o caso
Desde a década de 90, a transição de gestão na Prefeitura de Goiânia sempre gerou polêmica em torno das contas da Companhia de Urbanização de Goiânia (COMURG), especialmente em relação às dívidas da administração municipal. A transição entre o ex-prefeito Rogério Cruz e o atual prefeito Sandro Mabel não foi diferente. Em 2017, o ex-prefeito Iris Rezende mencionou “pilantrões” na COMURG, mas logo se afastou da acusação.
A atual controvérsia gira em torno dos salários de servidores da COMURG, que estão previstos no Acordo Coletivo entre a empresa e o SEACONS (Sindicato dos Empregados em Asseio e Conservação), o qual assegura gratificações e incorporações após 8 anos de trabalho na função gratificada. Este acordo, com vigência até 2026, é considerado legal e vem sendo cumprido pela empresa, conforme declarou Melquisedeque Souza, presidente do SEACONS, em entrevista. Souza reforçou que os salários, apesar de elevados, estão dentro dos parâmetros legais do Acordo Coletivo, que também impõe um redutor quando os valores superam o salário do prefeito.
No entanto, o prefeito Sandro Mabel questiona a legalidade desses valores, citando exemplos de servidores que receberam salários muito acima do esperado. Mabel anunciou que fará uma revisão detalhada das pastas da prefeitura, incluindo a COMURG, e uma análise minuciosa das folhas de pagamento e da frequência dos servidores. O prefeito também revelou que a COMURG conta com uma equipe jurídica de 35 advogados que está revisando o acordo interno da companhia:
Nós temos uma banca de 35 advogados na Comurg. Se forem bons, então eles vão ajudar a nos dar a solução.
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