10 de dezembro de 2024
AÇÃO CLANDESTINA

Plano de prender Moraes foi abortado por militares após adiamento de uma sessão no Supremo

Envolvidos em trama usaram codinomes Alemanha, Áustria, Brasil, Argentina, Japão e Gana em ação no dia 15 de dezembro de 2022
Militares monitoravam casa do ministro Alexandre de Moraes - Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
Militares monitoravam casa do ministro Alexandre de Moraes - Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

A investigação da Polícia Federal sobre o plano para prender e matar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, aponta que os militares envolvidos na trama usaram os codinomes Alemanha, Áustria, Brasil, Argentina, Japão e Gana e estavam posicionados para a ação no dia 15 de dezembro de 2022. Eles combinavam os passos em um grupo no aplicativo Signal, que chamaram Copa 2022.

A investigação mostrou que os militares monitoravam a residência de Moraes e desistiram do atentado terrorista quando foi desmarcada uma sessão na Corte, sinalizando que o trajeto ou a chegada em casa provavelmente seria a oportunidade para o ataque ao ministro.

Ação para prender e depois matar Moraes

Segundo os investigadores, a suposta operação para prender Moraes foi cancelada após a divulgação do adiamento da sessão do Supremo que julgou a questão do orçamento secreto do Congresso. Durante as investigações já foi revelado que após prenderem o ministro, golpistas das Forças Armadas planejavam trazê-lo para Goiânia, mas provavelmente ele seria morto no caminho, já que os envolvidos falavam em “levar o corpo”. Nas apurações reveladas nesta terça, a informação é de que o grupo pretendia assassinar Moraes usando armas, explosivos ou veneno.

“As mensagens trocadas entre os integrantes do grupo Copa 2022 demonstram que os investigados estavam em campo, divididos em locais específicos para, possivelmente, executar ações com o objetivo de prender o ministro Alexandre de Moraes”, diz trecho do relatório divulgado pela Agência Brasil. Um dos militares estava próximo à residência do ministro do STF.

Operação prendeu envolvidos em plano para prender ministro e matar também Lula e Alckmin

A PF realizou nesta terça-feira (19) uma operação, autorizada por Moraes, e prendeu quatro militares e um policial federal suspeitos de planejar a morte de Moraes, do então presidente eleito, Lula (PT), e do vice-presidente, Geraldo Alckmin, após a eleição em que o petista derrotou Jair Bolsonaro (PL).

Os alvos foram o general da reserva Mario Fernandes, os tenentes-coronéis Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra de Azevedo e o policial federal Wladimir Matos Soares.

Rafael Martins começou a ser investigado por mensagens trocadas com o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

Técnicas militares usadas em operação ilícita

O plano dos quatro militares e do policial federal utilizou, segundo a PF, conhecimentos técnico-militares para planejar, coordenar e executar ações ilícitas.

Para conversar no grupo os investigados utilizaram seis telefones celulares com chips da operadora Tim, habilitados em nomes de terceiros e associados aos codinomes – Alemanha, Áustria, Brasil, Argentina, Japão e Gana.

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Mensagens mostram cronologia

As mensagens obtidas pela PF mostram que, a partir das 20h33 daquele dia, os suspeitos com codinome Gana e Brasil informam estar posicionados. A operação foi cancelada, no entanto, às 20h59.

“Às 20h57min, Áustria escreve: ‘Tô perto da posição. Vai cancelar o jogo?’, querendo saber se a o ataque seria cancelado. Dois minutos depois, outro número apontado como sendo do líder da operação, responde: ‘Abortar… Áustria… volta para local de desembarque… estamos aqui’.”

“O contexto das mensagens trocadas indica que a ação desenvolvida tinha relação com a notícia do adiamento da votação que estava sendo realizada naquele dia no Supremo Tribunal Federal. No dia 15/12/2022, os ministros encerraram as atividades do plenário no início da noite”, diz o relatório.

Mensagens trocadas no dia 15 de dezembro de 2022

20h20: Rafael Martins de Oliveira, utilizando o codinome “Diogo Bast” encaminhou uma mensagem, em chat privado para o usuário Gana, pedindo para que fosse adicionado ao grupo “Copa 2022”. Pouco tempo depois, às 20h21, Rafael de Oliveira faz o mesmo pedido à pessoa associada ao nome usuário Brasil.

20h31: Usuário Gana adiciona Rafael de Oliveira ao grupo “Copa 2022”. As mensagens trocadas entre os integrantes do grupo demonstram que os investigados estavam em campo, divididos em locais específicos para, possivelmente, executar ações com o objetivo de prender o ministro Alexandre de Moraes.

20h33: A pessoa associada ao codinome Brasil informa um dos locais em que estavam atuando. Diz: “Estacionamento em frente ao gibão carne de sol. Estacionamento da troca da primeira vez”. Em seguida, a pessoa associada ao codinome Gana informa que já estava no local combinado: “Tô na posição”. O interlocutor Brasil responde: “Ok”.

Conforme publicou o jornal Folha de São Paulo, a análise realizada indica que, provavelmente, o estacionamento citado é o local em frente ao Restaurante Gibão, localizado no Parque da Cidade. Em frente ao restaurante fica o estacionamento 04 do parque.

20h43: Interlocutor Brasil encaminha a seguinte pergunta no grupo: “Qual a conduta?”. Em resposta, Teixeira lafaiete230 pede para aguardar. Brasil responde: “OK”.

20h47: Rafael de Oliveira envia uma mensagem no grupo pedindo para manterem a posição e em seguida diz: “Estou na posição”.

De forma concomitante, os investigados também trocaram mensagens em chat privado pelo aplicativo. Às 20h42, Teixeira lafaiete230 encaminha as seguintes mensagens para Rafael de Oliveira: “Opa. Alemanha”. Na mensagem é possível perceber que o usuário Teixeira lafaiete230 recebeu o codinome Alemanha na ação clandestina.

Em seguida, Teixeira lafaiete230 pergunta: “Na escuta?”. Rafael de Oliveira diz: “Sempre. E aí?”. (…) Em seguida, o membro que utilizava o codinome Áustria informa no grupo “Copa 2022” que está chegando e pergunta: “Qual é a sua posição Gana?”. Ele fica sem resposta, mas o usuário teixeiralafaiete230 compartilha, às 20h53, um print de uma notícia com a manchete “Com placar apertado, STF adia votação de orçamento secreto para 2ª”.

20h57: Austria diz: “Tô perto da posição. Vai cancelar o jogo?”, depois, teixeiralafaiete230 responde: “Abortar… Áustria… volta para local de desembarque… estamos aqui ainda…”. As trocas de mensagens indicam que os interlocutores estavam em locais distintos, conforme um planejamento organizado anteriormente.

20h59: O líder, teixeiralafaiete230, emite ordem para abortar a missão

21h33: Gana confirma que chegou a um ponto de táxi às 21h33. Ele afirma que “andou até a [quadra] 306”, às 21h41, durante a continuidade da sua caminhada. Conforme o conteúdo e horários das mensagens com a simulação de percurso, a investigação concluiu ser plenamente plausível que a pessoa de codinome Gana estivesse próxima à residência funcional do ministro.

21h59: Gana informa que estava chegando ao Shopping Pátio Brasil. Em seguida, ele encaminha uma mensagem para Rafael De Oliveira afirmando “Desisto irmão”, indicando que não conseguiu um táxi no shopping.

As investigações sinalizam que Gana provavelmente tentou se deslocar sem deixar rastros de sua localização nas proximidades da residência de Moraes, o que explica não ter utilizado aplicativos de viagem como Uber, que registraria o local de embarque.

Assim, Gana tinha, inicialmente, o objetivo de pegar um táxi, que poderia, inclusive, pagar em espécie, sem deixar qualquer registro de localização e identificação. Ao não conseguir, optou por se deslocar a pé, diz o documento.

Passo a passo do plano divulgado pela Folha com base na apuração da PF

5 de julho de 2022

Reunião liderada por Bolsonaro com a presença de diversos ministros, incluindo o general Mário Fernandes, preso nesta terça. Fernandes alerta para a necessidade de tomar medidas “antes que aconteça”, referindo-se a uma possível vitória de Lula nas eleições.

1 de novembro de 2022

Após as eleições, começam frequentes interações entre Mário Fernandes e o coronel Roberto Raimundo Criscuoli, discutindo ações antidemocráticas.

12 de novembro de 2022

O tenente-coronel Mauro Cesar Cid, o major Rafael de Oliveira e o tenente-coronel Ferreira Lima se reúnem na residência do general Walter Braga Netto.

14 de novembro de 2022

Após a reunião, o major Rafael Martins, ao qual se referem como “Joe”, pergunta para Mauro Cid se haveria alguma novidade, possivelmente se referindo ao assunto tratado na reunião do dia 12. Diz: “Alguma novidade??”. Mauro Cid responde: “Eu que pergunto”. Joe diz: “Vibração máxima! Recurso zero!!”.

Na sequência, Mauro Cid pergunta: “Qual a estimativa de gastos? Falei pra deixar comigo”. Joe diz que vai ligar para Cid. No entanto, Mauro Cid insiste para que Joe informe uma estimativa de gastos relacionados a hotel, alimentação, material. Diz: “Só uma estimativa com hotel. Alimentação. Material. 100 mil?”.

A troca de mensagens entre Mauro Cid e Rafael Martins indica o custo de R$ 100 mil para o plano, que envolveria hotel, alimentação e material.

15 de novembro de 2022

O major Rafael Martins encaminha um documento protegido por senha intitulado “Copa 2022”, que, pelo teor do diálogo, seria uma estimativa de gastos para subsidiar, possivelmente, as ações clandestinas, que seriam executadas durante os meses de novembro e dezembro de 2022. “Os elementos de prova descritos já demonstravam que Rafael de Oliveira, desde o dia 11 de novembro de 2022, estava atuando juntamente com outros militares para financiar e direcionar as manifestações golpistas em curso naquele momento”, diz o relatório da PF.

6 de dezembro de 2022

No meio da tarde, Rafael de Oliveira deixa Goiânia com destino a Brasília. Ele e Mauro Cid trocam mensagens pela manhã.

Conforme extrato de estações rádio base (ERB), Rafael teria chegado na região da EPIA, na altura do Núcleo Bandeirante, por volta das 16h37. Alguns minutos depois, às 17h34, o aparelho telefônico utilizado por Rafael de Oliveira esteve conectado a duas ERBs que cobrem o Palácio do Planalto. A última conexão a essas antenas foi às 18h38, indicando a permanência até então. Os dados permitem concluir que Mauro Cid e Rafael De Oliveira estiveram concomitantemente, conforme extratos de ERBs, na região do Palácio do Planalto no dia 6 por volta das 17h45.

Mario Fernandes, então secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência, estava no Palácio do Planalto e imprimiu o planejamento operacional denominado “Punhal verde amarelo”, que descreve o plano para prender e executar o ministro Alexandre de Moraes, além dos integrantes da então chapa vencedora das eleições presidenciais, Lula e Alckmin.

7 de dezembro de 2022

Rafael de Oliveira compra o telefone iPhone 12, utilizado para as ações clandestinas que seriam usadas no dia 15 de dezembro, data em que planejavam o atentado contra as autoridades.

8 de dezembro de 2022

Ativação dos telefones da Tim dos integrantes, usados na elaboração do crime. No mesmo dia, Mario Fernandes esteve no Palácio da Alvorada, chegando às 17h e saindo às 17h40.

9 de dezembro de 2022

Mario Fernandes envia um áudio para Mauro Cid, desta vez comemorando que o então presidente Jair Bolsonaro aceitou o “nosso assessoramento”.

No mesmo dia, Bolsonaro quebrou o silêncio na tarde desta sexta-feira (9) com um discurso dúbio que atiçou seus apoiadores.

10 de dezembro de 2022

Marcelo Câmara encaminha quatro mensagens sequenciais para Mauro Cid, evidenciado que os investigados estavam monitorando o ministro Alexandre de Moraes, em relação ao evento relativo à diplomação do presidente da República eleito, que ocorreria no dia 12 de dezembro de 2022.

Às 17h36 foi encaminhada a seguinte mensagem: “Estarão na portaria. Trecho 5 será do presidente. Rota verde com desembarque exclusivo da comitiva do diplomado, que será no subsolo. Cancelo central interno destinado a veículo oficial. Percurso rosa aos demais convidados”.

13 de dezembro de 2022

Polícia identifica o deslocamento do prefixo telefônico vinculados ao codinome Gana de Goiânia (GO) para Brasília, transitando por áreas de interesse para a operação destinada à ilegal detenção de Moraes, “notadamente Asa Sul e Sudoeste em áreas condizentes com os locais de interesse da ação que seria realizada no dia 15/12/2022, especialmente o Parque da Cidade, na altura do restaurante Gibão e a residência funcional do ministro Alexandre de Moraes”.

15 de dezembro de 2022

Os envolvidos na trama usaram codinomes, posicionaram-se para uma ação contra Moraes, mas abortaram na última hora.

16 de dezembro de 2022

Criação da minuta de um “Gabinete Institucional de Gestão da Crise” por Mário Fernandes, com a participação de Augusto Heleno, Braga Netto e Filipe Martins.


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