O professor e pesquisador do Instituto Federal Goiano (IF Goiano), Câmpus de Urutaí, Guilherme Malafaia, fez um grande desabafo em sua defesa em relação à retratação de um conjunto de artigos dele por uma editora científica. Desde o final do ano passado o caso tem ganhado repercussão nacional. Isso, argumenta ele, vem lhe causando uma série de transtornos profissionais e pessoais, como relata em extensa mensagem ao Diário de Goiás, nesta quinta-feira (6) que, assegurando espaço para sua versão literal, será publicada na íntegra ao final.
O caso envolve “indícios de manipulação” no processo de revisão por pares dos artigos publicados pelo pesquisador na revista científica Science of the Total Environment, da editora Elsevier, os quais ele rechaça. Malafaia aponta “falhas sistêmicas na gestão editorial, potenciais abusos e forte tendência de impacto de ações unilaterais, arbitrárias e, acima de tudo, desproporcionais sobre autores de países em desenvolvimento”, por parte da editora.
Texto da revista da Fundação de Amparo Pesquisa de São Paulo (FAPESP) publicado no sábado sobre o caso, observa que Malafaia se sente tratado como “bode expiatório” diante da responsabilidade de checagem dos e-mails tidos como falsos, cuja atribuição ele sustenta não lhe pertencer.
À FAPESP a Elsevier informou que os artigos foram levados à atenção de sua equipe de integridade por um dos editores da revista e que, constatado o uso de e-mails fictícios, “foi tomada a decisão de retratar os artigos”. A editora colabora com o IF-Goiano, que abriu uma Investigação Preliminar Sumária no final de 2024 e tem seis meses para apurar a responsabilidade do biólogo.
A reportagem do DG também buscou ouvir a Elsevier nesta quinta, mas não localizou os telefones e e-mails da editora no Brasil, onde tem escritórios no Centro do Rio de Janeiro e no bairro do Brooklin Novo, em São Paulo.
Recentemente, diante da enorme repercussão do caso, o pesquisador disse que solicitou que o IF Goiano acompanhasse o episódio e lhe assegurasse um assessoramento jurídico. A solicitação se juntou a denúncias e reportagens publicadas a respeito e o Instituto instaurou a IPS, como mostrou o DG na quarta-feira, com base em informações do jornal Folha de São Paulo.
Em sua mensagem ao DG, Malafaia aponta que tem sido tratado de maneira injusta que desmerece o seu esforço de pesquisa e, para agravar, com uma conotação que ele afirma estar errada. Segundo o pesquisador, a Elsevier não o está acusando de manipular os processos de revisão.
No e-mail enviado, ele incorporou diversos arquivos de troca de mensagens que comprovariam seu esforço para esclarecer as dúvidas que levaram à retratação, que, assegura, também não implicou na despublicação dos artigos.
Leia a mensagem do pesquisador a respeito!!!
Agradeço pelo contato e pelo interesse em abordar esse tema, que tem sido extremamente desafiador para mim, tanto no âmbito pessoal quanto profissional. Infelizmente, a forma como esse assunto tem sido tratado pela imprensa e pelos comentários que surgem a partir das matérias publicadas tem se mostrado, em muitos casos, desproporcional e injusta. Enquanto a imprensa internacional tem direcionado seu foco para investigações sobre fraudes envolvendo editores de periódicos do grupo Elsevier, a cobertura no Brasil tem, muitas vezes, enfatizado a exposição e condenação do pesquisador sem a devida apresentação de provas. E pior: sem considerar que a própria Elsevier não me acusa de manipulação dos processos de revisão dos meus artigos (vide abaixo).
De antemão, sobre esse caso, sempre manifestei minha total disposição em contribuir para a resolução das informações mencionadas nas retratações, alinhado aos princípios éticos que regem a ciência e ao compromisso com a verdade.
Assim, permitem-me expor, com máxima transparência, elementos que compõem essa situação, a evidenciar que as alegações imputadas a mim, pela Editora Elsevier, carecem de fundamentação adequada, além de refletir falhas sistêmicas na gestão editorial, potenciais abusos e forte tendência de impacto de ações unilaterais, arbitrárias e, acima de tudo, desproporcionais sobre autores de países em desenvolvimento.

Em 25 de julho de 2024, fui surpreendido com uma comunicação do Elsevier Ethics Team, alegando supostas irregularidades no processo de revisão por pares de artigos publicados na Science of the Total Environment. A editora atribuiu a mim a responsabilidade, como autor correspondente, indicando que os e-mails dos revisores não pertenciam às pessoas indicadas no momento das submissões.
A partir disso, fiz diversos questionamentos à editora buscando compreender a motivação dessas alegações, mas sobretudo requerendo elementos probatórios que embasasse as alegações. Entretanto, conforme poderá ser observado nos documentos disponíveis a seguir, o posicionamento da Editora foi marcado por grave ausência de diálogo e transparência (https://drive.google.com/drive/folders/1X3cC3MTDyONK1r_M-bX2Q_HbcAiKcSPy?usp=drive_link).
Ainda assim, e desprovido de informações essenciais para qualquer defesa, incluindo os critérios utilizados para determinar a autenticidade das revisões, os métodos de verificação dos e-mails dos revisores, as políticas específicas supostamente violadas, os passos adotados pelos editores responsáveis adotei uma postura proativa, enviando uma resposta detalhada à Elsevier em 10 de agosto de 2024.
Resumidamente, minha resposta incluiu a:
i. reafirmação do compromisso com a ética e a integridade científica, que sustenta minha carreira acadêmica de mais de 15 anos;
ii. relato da experiência de longa data como autor, revisor e editor de publicações vinculadas à Elsevier, incluindo a Science of the Total Environment;
iii. realização de análise técnica sobre as revisões dos artigos considerados “suspeitos” e “não suspeitos”, incluindo, métricas de complexidade textual, índices de legibilidade e sentimentos expressos nas revisões e comparações entre grupos para validar ou refutar as alegações;
iv. explicação sobre a obtenção dos e-mails por meio de plataformas acadêmicas consideradas confiáveis à época, como o China National Knowledge Infrastructure (CNKI)1, e a descoberta posterior de irregularidades associadas à plataforma2;
v. explicação sobre os passos que sempre segui para a submissão de manuscritos em periódicos da Elsevier, facilmente observados no link “https://www.youtube.com/watch?v=jNBSfj9iTUU”;
vi. relação de premiações, publicações, e colaborações internacionais, reforçando meu histórico de contribuições éticas e relevantes para a ciência;
vii. defesa baseada em tratados internacionais, normas editoriais e princípios éticos que garantem que alegações de má conduta sejam fundamentadas em provas robustas antes de qualquer penalidade;
viii. reforço da necessidade de uma investigação justa, baseada em elementos concretos e objetivos, para evitar danos irreparáveis à minha reputação profissional e pessoal.
Apesar desses esforços, a Elsevier decidiu unilateralmente pela retratação dos artigos (cujo conceito nada tem a ver com “despublicação”, “cancelamento” ou “retirada”), sem apresentar quaisquer provas ou responder aos questionamentos fundamentais levantados. A comunicação da decisão da Editora pela retratação dos meus artigos, bem como minhas reiteradas tentativas infrutíferas de diálogo e o levantamento de exatas 51 questões à Editora e aos Editores da Science of the Total Environment, que buscavam compreender e fundamentar as alegações com evidências que relacionassem diretamente meu nome à manipulação do processo de revisão por pares, podem ser observados na troca de e-mails disponibilizada no link a seguir (https://drive.google.com/drive/folders/1m3FmHJb31Nql3wXVH-wfO7yLxWdm6gUy?usp=sharing).
Como você poderá notar, a Elsevier ou os Editores da Science of the Total Environment não responderam à nenhuma das minhas questões, limitando-se a reiterar que a decisão foi baseada na identificação de e-mails “falsos” e revisões “fictícias”. Além disso, a editora declarou que “The retraction notice is not ascribing blame to any individual(s)” e informou que não seria fornecido mais respostas a menos que novas evidências fossem apresentadas, encerrando a comunicação em 8 de outubro de 2024. Dentre as diversas questões, destaco algumas a seguir, para as quais não obtive qualquer resposta.
i. Se o editor é o único responsável por cadastrar, convidar, receber os pareceres de revisores e decidir sobre o aceite ou não de um manuscrito (vide tutoriais explicativos nos links “ https://www.youtube.com/watch?v=-Pk-XqEi6do e https://www.youtube.com/watch?v=8OaIX0RwA14”), como a responsabilidade por negligências editoriais pode ser imputada exclusivamente a um autor correspondente?
ii. Se o papel do editor é garantir transparência e ética no processo, como explicar que revisores foram cadastrados e convidados sem qualquer verificação mínima?
iii. O que realmente define a responsabilidade do autor no processo de revisão, e onde termina a responsabilidade do editor?
iv. Como podemos falar de imparcialidade quando o comitê de ética sequer forneceu qualquer elemento que estabelece de forma objetiva a minha ligação com o ato ilícito ou antiético?
v. Se o sistema editorial falha em verificar revisores, por que os autores devem ser punidos por uma deficiência que está além de seu controle?
vi. Como é possível que uma empresa tão renomada falhe em usar ferramentas tecnológicas avançadas para verificar a autenticidade de e-mails e identificar possíveis fraudes?
vii. Por que a editora não solicitou judicialmente a quebra de sigilo para rastrear a origem dos e-mails, ainda que eu tenha sugerido isso diversas vezes? Isso parece que resolveria o caso facilmente.
viii. Como podemos falar em confiança no processo científico quando decisões tão drásticas são tomadas sem oferecer aos autores a oportunidade de um diálogo aberto e construtivo?
Diante disso, registrei formalmente junto ao Committee on Publication Ethics (COPE) — uma organização internacional da qual a Elsevier é membro — uma solicitação para intermediar o caso, com o objetivo de garantir maior transparência e justiça na apuração das alegações. Considerando a coerência lógica dos fatos, o COPE encaminhou à Elsevier uma série de questionamentos, que foram respondidos, em sua maioria, de forma a refletir o mesmo padrão de falta de clareza observado em minha comunicação direta com a editora. A troca de e-mails entre o COPE e a Elsevier pode ser acessada no link a seguir (https://drive.google.com/drive/folders/1ep3DxuI32ZYndAqlLumqpAaHwnuoCf2G?usp=sharing).
Cabe ressaltar que, na resposta à COPE, vários aspectos mostraram-se incoerentes e inconsistentes, cujos detalhes foram publicizados em minha carta aberta, disponível no link direto pela matéria publicada na Science (https://ddcdb2d2-ff28-4d8d-9dd2-6807ed4391f3.filesusr.com/ugd/ffa018_663a0a22829c4f268dfe489fab25d7ba.pdf). A resposta da Elsevier limitou-se a reiterar informações já encaminhadas a mim, novamente desacompanhadas de qualquer elemento que estabelecesse, de forma objetiva, minha ligação com os supostos atos ilícitos ou antiéticos. No entanto, pela primeira vez ao longo de nossas comunicações, a Elsevier revelou à COPE a motivação inicial para a investigação interna, além de afirmar que “(…) it is clear from our investigation that regardless of who is ultimately responsible, there is clear evidence of compromised peer-review or systematic manipulation of the editorial process” e destacar “We have been clear throughout the investigation that we aren’t accusing Dr. Malafaia directly of peer review manipulation”. – “Fica claro em nossa investigação que, independentemente de quem seja o responsável final, há evidências claras de revisão por pares comprometida ou manipulação sistemática do processo editorial” e destacar “Deixamos claro durante toda a investigação que não estamos acusando o Dr. Malafaia diretamente de manipulação da revisão por pares”.
Portanto, essas declarações, associadas à informação prévia fornecida pela Editora de que “The retraction notice is not ascribing blame to any individual(s)” – “O aviso de retratação não atribui culpa a nenhum indivíduo(s)” – deixam inequivocadamente que não há qualquer acusação formal ou atribuição de culpa diretamente a mim. Além disso, ao reconhecer que “(…) regardless of who is ultimately responsible (…)” – “independentemente de quem é o responsável final” – a Elsevier admite que não identificou um responsável específico, eximindo-me de qualquer responsabilidade pessoal.
Apesar dessas informações estarem publicadas em vários locais, a imprensa continua a negligenciar isso… muito triste… Essas afirmações encerram a discussão, reafirmando que as ações tomadas pela editora não têm como fundamento uma acusação contra mim, mas, sim, a identificação de uma suposta vulnerabilidade sistêmica no processo editorial. Além disso, antes de um posicionamento do COPE, a Elsevier iniciou as retratações desconsiderando a intenção do COPE em intermediar o caso, evidenciando um padrão de conduta que reflete seu histórico de decisões precipitadas e falta de transparência, amplamente divulgado pelo Retraction Watch (https://retractionwatch.com/2024/01/10/exclusive-cope-threatens-elsevier-journal-with-sanctions-for-clear-breakdown-before-seven-retractions/). E isso a imprensa também tem ignorado…
Quanto à Investigação Preliminar Sumária (IPS), até onde eu sei, não houve abertura de um processo de investigação contra mim pelo IF Goiano. O que ocorreu foi que eu mesmo protocolei um processo administrativo em 22/11/2024 (Processo nº 23219.001248.2024-13), relatando os fatos e solicitando assessoria jurídica da instituição. Conforme previsto, a Procuradoria Federal junto ao IF Goiano é a responsável pelas questões jurídicas e pelo eventual oferecimento de apoio ou defesa judicial ao servidor público no exercício da função, bem como à própria instituição.
No exame de admissibilidade, o Coordenador-Geral de Integridade da instituição recomendou a instauração dessa Investigação Preliminar Sumária (IPS), com base no art. 40 da Portaria Normativa CGU nº 27/2022, a qual objetiva apurar os fatos.
Sobre o andamento do processo, apenas a Reitoria pode informar oficialmente. Até o momento, não fui convocado para prestar depoimento, não recebi resposta sobre eventual apoio jurídico institucional e desconheço o status da IPS. O que sei é que, segundo o exame de admissibilidade, a recomendação foi para que os trabalhos ocorressem dentro do prazo de 90 dias a partir da expedição do relatório de admissibilidade.
Na oportunidade, gostaria de reiterar que nunca afirmei ou escrevi em qualquer documento que as submissões, a geração de e-mails ou a emissão de pareceres estiveram associadas a hackers. Essa é uma interpretação incorreta que, infelizmente, foi propagada por alguns veículos de comunicação sem embasamento nos fatos.
Caso você examine atentamente todos os documentos que estou disponibilizando nos links, verá que minha resposta sempre abordou diversos aspectos da minha carreira e da falta de transparência no processo conduzido pela Elsevier. No contexto dessas alegações, mencionei – e provei – que houve uso indevido de minhas credenciais por terceiros, fato corroborado por registros policiais e por evidências de que minhas senhas e e-mails estão disponíveis em mais de 25 sites da dark web. Esse elemento foi apresentado como parte do cenário mais amplo que enfrentei, mas nunca como a causa direta do problema em questão.
Além disso, a impossibilidade de acessar o sistema de submissão da Elsevier após o bloqueio da minha conta (feito pela própria Elsevier durante a investigação da editora) dificultou ainda mais minha defesa, pois fui impedido de verificar e conferir todas as informações que forneci no momento das submissões. Esse bloqueio impediu qualquer tentativa de esclarecer, com base nos registros disponíveis, qualquer potencial inconsistência nas submissões.
Portanto, qualquer afirmação de que minha defesa se baseia em uma suposta invasão hacker para justificar as alegações da Elsevier não condiz com os fatos. O que defendo, desde o início, é a necessidade de transparência, de uma investigação baseada em evidências concretas e de que alegações graves como essas sejam acompanhadas de provas substanciais antes da imposição de sanções irreversíveis.
Reitero que estou totalmente disponível para quaisquer informações adicionais que se façam necessárias, como sempre estive desde o início dessa situação. Tenho enfrentado um período extremamente difícil, sendo alvo de acusações infundadas que impactaram não apenas minha trajetória profissional, mas também minha saúde e minha família. O sofrimento que tenho passado é imensurável, e infelizmente, a imprensa brasileira tem contribuído para isso ao divulgar matérias sem sequer analisar os documentos que disponibilizei, propagando versões distorcidas e prejulgamentos precipitadamente.
Não espero uma defesa em sua reportagem, mas apenas que a apuração seja conduzida com responsabilidade, imparcialidade e rigor, assegurando que os fatos sejam apresentados de forma completa e justa. Minha única solicitação é que se evite uma exposição ainda mais injusta e desproporcional, considerando que, até o momento, nenhuma evidência concreta foi apresentada que me vincule diretamente a qualquer irregularidade. Como cientista, defendo a verdade e a transparência, e o mínimo que espero é que esses princípios também sejam seguidos na abordagem da imprensa sobre este caso.“
Fico à disposição.
Abraços,
Guilherme Malafaia
Leia mais sobre: Pesquisador aponta injustiça em artigos retratados / Pesquisador do IF Goiano de Urutaí / Brasil / Cidades / Educação