30 de abril de 2025
PERDÃO OU AFRONTA • atualizado em 15/04/2025 às 19:23

PEC da Anistia desperta debate sobre a constitucionalidade de isentar golpistas de punição

Debate em andamento: De um lado, uma interferência do STF é vista como inconstitucional; do outro, a ação do Legislativo é que é classificada como inconstitucional
Juristas e ministros do STF citam que PEC da Anistia fere frontalmente a Constituição Federal - Foto: arquivo / Senado
Juristas e ministros do STF citam que PEC da Anistia fere frontalmente a Constituição Federal - Foto: arquivo / Senado

Enquanto avança no Congresso Nacional o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) da Anistia, beneficiando os participantes dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 – pessoas investigadas ou flagradas tentando golpe de Estado, usando de pedras até bombas, e outros artifícios para impor o terror e tomar o poder -, cresce a discussão sobre a inconstitucionalidade desse projeto.

Se aprovada, a legalidade da PEC certamente será questionada pelos partidos de esquerda junto ao Supremo Tribunal Federal, que já está julgando e condenando casos que seriam impactados pela PEC. A proposta gera um confronto real entre os poderes Legislativo e Judiciário, tendo a Constituição Federal como alvo a ser protegido ou ferido.

O artigo 5º da Constituição, diz que não podem ser objeto de anistia os condenados por tortura, tráfico de drogas, terrorismo e crimes hediondos. A opção por alterar a Carta Magna é porque ela é objetiva em considerar que crimes contra a ordem constitucional e a democracia são inafiançáveis e imprescritíveis.

E o que a PEC propõe é justamente perdoar os condenados pelos atos do dia 8 de janeiro, incluindo os financiadores, incentivadores e organizadores. Isso abrange desde manifestantes do local, até a alta cúpula do governo de Jair Bolsonaro (PL), como ele próprio. O ex-presidente é acusado de planejar e liderar uma tentativa de abolição da democrática escolha eleitoral e promover um golpe de Estado.

O que diz o artigo 5º da Constituição Federal:

“A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. Constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.”

Crimes sem perdão

Ou seja: são crimes que a Constituição Brasileira define que não podem ser perdoados. Ministros do Supremo têm enfatizado que o projeto fere mortalmente o artigo 5º da Constituição, também porque ela estabelece que a ação de grupos armados, civis ou militares, contra o Estado é crime inafiançável e imprescritível. Alguns deles, ouvidos pelo blog da jornalista Andréia Saddi, da Globo News e portal G1, consideram haver maioria no STF para derrubar a PEC caso ela passe.

Se a PEC passar na Câmara e no Senado, deve ser vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas o veto também pode ser derrubado no Congresso.

Se for adiante, PEC da Anistia beneficiará participantes da tentativa de golpe – Foto: Joédson Alves / Agência Brasil

Assim, se o STF não interferir ou não formar maioria para sua derrubada, e o projeto de anistia vingar, estarão sujeitos ao perdão desde a mulher que usou o batom para pichar a estátua da Justiça na Praça dos Três Poderes, até as pessoas que feriram gravemente agentes públicos naquele mesmo dia, os que danificaram bens públicos para impor a vontade deles à força, ou os que organizaram e custearam tentativa de assassinato de autoridades para manter no governo os derrotados na eleição de 2022.

Invasão de poderes

“Apesar de não haver expressa menção sobre vedação desse tipo de anistia na Constituição, há um argumento de que, por coerência interna da Constituição, tais crimes seriam impassíveis de anistia. Assim entendeu o ministro Dias Toffoli [do STF] ao julgar a inconstitucionalidade da concessão de graça ao ex-deputado Daniel Silveira”, explicou a jurista Eloísa Machado de Almeida em entrevista para a Agência Brasil ainda em dezembro. Na época  o projeto da PEC ainda não tinha sido acolhido por tantos parlamentares, como agora, com 262 assinaturas a favor de sua tramitação em urgência.

Além disso, o PL da Anistia também seria inconstitucional por violar a separação e a independência entre os Poderes, uma vez que o Congresso Nacional estaria invadindo uma competência que é do Judiciário. Esta é a avaliação da jurista Tânia Maria de Oliveira, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

Também em entrevista à Agência Brasil, ela ainda lembrou que o assunto já está judicializado. Ou seja, deputados e senadores estariam afrontando o Poder Judiciário. “Essas pessoas estão sendo processadas e julgadas no STF. Se o Congresso resolver dar anistia a essas pessoas, ele está claramente fazendo uma invasão de uma competência que é do Supremo”, explicou.

Defesa da constitucionalidade da PEC

No sentido exatamente oposto, juristas como Ives Gandra, opinam que o STF é que não tem o poder de legislar e, dessa forma, não seria legítimo, em sua visão, que o Supremo invalide uma eventual PEC para dar anistia aos participantes da tentativa de golpe. Um vídeo do especialista falando isso foi compartilhado recentemente pela deputada federal bolsonarista Bia Kicis (PL).

“Pela constituição o supremo não pode fazer nada [para impedir uma PEC]”, afirma ele. O jurista fala sobre a separação de direitos entre o Judiciário e o Legislativo. “Os ministros não têm poder político [para legislar]”, citou ainda. Gandra ainda frisa que havendo o número suficiente de assinaturas, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos) tem que pautar a discussão da PEC.

Um lado diz que PEC pacificará; outro, que ampliará a revolta por oficializar a impunidade

Não há consenso também sobre o argumento de que a PEC vai pacificar o país. Isso é citado tanto por Gandra, como pelo relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), deputado Rodrigues Valadares (UB-SE). Ou seja, é um argumento dos setores de direita.

“A libertação dos radicais presos não vai causar qualquer pacificação. Muito pelo contrário, vai sinalizar que é possível atacar as instituições de maneira violenta e sair incólume”. Quem avalia é o cientista político, João Feres Júnior, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj), em entrevista para a Agência Brasil.


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