18 de julho de 2025
Opinião
Publicado em • atualizado em 15/05/2025 às 18:05

Proteção à infância: discurso ou compromisso?

Nos últimos anos, vimos surgir um discurso insistente em defesa da família e da infância. Proclamam-se paladinos dos bons costumes e guardiões das nossas crianças. Mas, na prática, o que temos visto é a construção de uma narrativa vazia, sem ações concretas para proteger quem realmente precisa de defesa.

Enquanto YouTubers se afloram na política para bradar pela proteção da família, o Brasil registrou 164.199 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes entre 2021 e 2023, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Unicef. Isso significa uma ocorrência a cada oito minutos no último ano. No entanto, os mesmos que dizem proteger a infância são os que atacam a educação sexual nas escolas — a única política pública capaz de prevenir abusos de forma efetiva.

A lógica é perversa: negam à criança o direito à informação sobre seu próprio corpo, mas fecham os olhos para os agressores que estão dentro de casa. E o silêncio é conveniente. Segundo o Ipea, apenas 8,5% dos casos de abuso são denunciados. O que acontece com os 91,5% restantes? Permanecem nas sombras da impunidade, enquanto os gritos das vítimas são abafados pelo falso moralismo.

Quem realmente defende a infância não se cala diante dos números. Em 2023, 87,3% das vítimas de violência sexual infantil eram meninas, e 52,8% eram negras. 67% dos casos ocorrem dentro de casa e, em 85,1%, o agressor era conhecido da vítima, alguém em quem a criança deveria confiar — pais, padrastos, tios, vizinhos.

Se a preocupação é proteger a família, então por que os defensores da moralidade se posicionam contra medidas para acolher as denúncias e garantir o atendimento imediato às vítimas? Por que atacam iniciativas de educação sexual, que ensinam as crianças a reconhecerem o toque inadequado e a denunciar o abuso?

A resposta é simples: porque o compromisso não é com a proteção das crianças, mas com a manutenção de uma estrutura que naturaliza a violência, criminaliza o corpo feminino e perpetua comportamentos machistas. No cenário atual, a proteção à infância virou bandeira de conveniência, mas não prioridade política.

Enquanto a extrema-direita ataca professores que ensinam sobre consentimento, as estatísticas seguem crescendo. Em 2024, a SaferNet detectou 2,65 milhões de usuários em grupos do Telegram com imagens de abuso infantil. E, no entanto, não vemos os paladinos propondo ações efetivas para combater a pornografia infantil na internet. Pelo contrário, seguem focados em censurar conteúdos educativos que poderiam salvar vidas.

Na Câmara dos Deputados, continuo a luta que iniciei na Polícia, mantenho meu compromisso de agir sempre. Apresentei projetos que garantem suporte psicológico às vítimas, protocolos nacionais para o atendimento especializado e ampliação das delegacias de proteção à criança e ao adolescente. Defendo a inclusão da margarida como símbolo nacional da luta contra o abuso infantil; uma flor simples para nos lembrar do dever de proteger o que é puro e vulnerável.

A luta contra o abuso sexual infantil não pode ser apenas um discurso. Proteger a infância e a adolescência exige coragem para enfrentar os agressores, denunciar a omissão e romper o ciclo da violência. Quem realmente se importa não usa a bandeira da família para blindar abusadores, nem perpetua comportamentos que criminalizam o corpo feminino e silenciam vítimas.

Proteger a infância é agir. É educar, acolher, ouvir e garantir que o direito de ser criança prevaleça sobre qualquer discurso vazio.

Adriana Accorsi intergrará grupo de trabalho da segurança pública, do governo federal. Foto: Divulgação

Filha do ex-prefeito de Goiânia, Darci Accorsi, Adriana Accorsi é delegada e deputada federal do PT por Goiás.

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