14 de julho de 2025
Opinião
Publicado em • atualizado em 20/06/2025 às 10:14

Política para além da demagogia e da superficialidade

Vivemos em um sistema eleitoral deformado, no qual prosperam discursos rasos, extremistas e segregadores. A polarização deixou de ser fenômeno transitório e tornou-se estrutura. Segundo a 164ª Pesquisa CNT/MDA (junho/2025), o país segue dividido entre os polos: 33% preferem candidatos alinhados a Bolsonaro, 31% a Lula, enquanto outros 31% buscam alternativas fora dessa dicotomia. Trata-se de um empate técnico que, longe de apontar para pluralismo ou amadurecimento democrático, evidencia a crise de substância na política. A performance se impõe ao conteúdo. A retórica inflamada vale mais que a proposta consistente. E é nesse ambiente que a demagogia deixa de ser vício e vira método.

Não surpreende, portanto, que 62% dos brasileiros reconheçam o impacto decisivo das redes sociais nas eleições, ou seja, de plataformas nas quais a lógica do like vale mais que a lógica do argumento. A política virou produto, consumida em vídeos curtos, memes virais e slogans ocos. O debate público se esvazia, e o mérito das ideias é frequentemente soterrado por narrativas simplificadas que reforçam bolhas e antagonismos.

A crise não é só de representação, como também de capacidade estatal. Apenas 29% avaliam positivamente o governo federal, enquanto 40% o reprovam. Mais grave: 74% dos brasileiros acreditam que os recursos públicos são mal utilizados, e 82% sentem-se sobrecarregados por um sistema tributário injusto. Quando o Estado é percebido como ineficiente, e a máquina pública como espaço de privilégios, instala-se uma descrença estrutural que paralisa qualquer tentativa de reforma profunda. A política, nesse cenário, torna-se espetáculo burocrático, inerte, reativa e cínica.

Nossos líderes, com raras exceções, não formam ideias nem pessoas. São moldados pelo calor das redes, pelo algoritmo da polêmica e pela urgência do engajamento. A população, por sua vez, ressignifica suas relações pessoais em torno da política: 63% dizem que a polarização afetou vínculos familiares ou de amizade, e 11,6% admitem ter se afastado de amigos por divergências políticas. Quando a política invade os afetos, não necessariamente se aprofunda o debate; muitas vezes, apenas se acirram os ruídos.

O divórcio entre partidos e sociedade é também geracional e regional. Dentre os jovens de 16 a 24 anos, apenas 24% aprovam o governo federal, enquanto esse número sobe para 38% entre os idosos. No Nordeste, a avaliação positiva é de 41%, ao passo que no Sudeste cai para 23%. Não se trata apenas de diferenças estatísticas; trata-se da prova concreta de que o país real escapa às estratégias tradicionais de comunicação e mobilização dos partidos. Renovar a política exige romper com estruturas arcaicas, valorizar a formação programática e oferecer protagonismo real a novas lideranças. Importar velhos nomes com seus vícios serve apenas à manutenção do status quo.

É urgente que a política brasileira reencontre temas substantivos. Questões como equilíbrio fiscal (defendido por 59% dos brasileiros quando vinculado ao corte de privilégios) e a regulação responsável das redes sociais (apoiada por metade da população como forma de combater fake news) demonstram que há base social para um debate público mais qualificado. Mas isso só ocorrerá se os agentes políticos deixarem de encenar disputas culturais vazias e passarem a tratar os desafios do país com coragem e seriedade.

Apesar do cansaço cívico, há sinais de que parte expressiva da sociedade deseja romper a lógica binária: 31% dos eleitores buscam alternativas fora dos eixos tradicionais, número que salta para 40% entre os mais jovens. Esses dados indicam tanto uma rejeição aos extremos quanto uma demanda por reinvenção, isto é, uma política que ouça mais do que acene, que proponha mais do que acuse, que compreenda mais do que simplifique.

O Brasil precisa de um novo pacto político, que não seja desenhado por castas, mas construído com a participação cidadã. Um pacto no qual o governo seja instrumento, e não fim em si mesmo; em que as instituições voltem a ser confiáveis, e os partidos se conectem, de fato, com a vida concreta das pessoas. O futuro não se fará com as fórmulas esgotadas do passado. Ou reinventamos a política, com base em evidências, empatia e propósito, ou aceitaremos viver sob o domínio permanente de um espetáculo vazio, tão barulhento quanto inútil.

Advogado e Mestre em Desenvolvimento Urbano

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