A comunicação tempestiva de irregularidades e a menção direta à possibilidade, “a qualquer tempo”, de recomendar o afastamento de dirigentes e a rescisão de parcerias entre o Estado e organizações sociais e outras instituições do Terceiro Setor, se tornaram obrigação e risco mais reais. As previsões são resultantes de uma nova resolução normativa do Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE-GO), publicada no Diário Oficial de terça-feira (8).
Relatada pelo conselheiro Kennedy Trindade, a Resolução Normativa nº 4/2025 é uma nova etapa na regulação das parcerias entre o poder público estadual e entidades privadas sem fins lucrativos (OSs, Oscs, Oscips, fundações etc). Além da realização de inspeções, a norma prioriza as propostas de fiscalização conforme critérios de risco, materialidade, relevância e oportunidade.
As fiscalizações farão a “observância dos princípios de impessoalidade, moralidade, economicidade, publicidade e transparência, nas seleções de pessoal e nas contratações realizadas”.
Controle é reforçado contra irregularidades envolvendo organizações do Terceiro Setor parceiras do Estado
Substituindo a Resolução nº 9/2024, a nova normativa reforça mecanismos de controle, amplia exigências de transparência e institucionaliza a transformação digital no acompanhamento dessas relações.
Embora ambas as resoluções compartilhem princípios e estruturas semelhantes, a versão de 2025 promove mudanças significativas. O novo texto refina conceitos, detalha obrigações e fortalece o papel pedagógico e preventivo do controle externo, além de consolidar exigências que anteriormente estavam sujeitas a interpretações mais flexíveis.
Um dos principais diferenciais da RN nº 4/2025 está na maior abrangência dos seus dispositivos. Enquanto a resolução de 2024 já previa a fiscalização de todas as fases das parcerias — da seleção das entidades até a prestação de contas —, a nova norma explicita com mais clareza os critérios e instrumentos de auditoria, além de reforçar a obrigatoriedade de comunicação tempestiva de irregularidades.
Foco no controle interno das parceiras
Outro ponto relevante é o destaque dado ao controle interno das entidades privadas sem fins lucrativos. A RN nº 4/2025 amplia a responsabilidade da unidade supervisora em acompanhar a atuação dessas entidades, considerando o grau de maturidade organizacional como fator de avaliação. Essa abordagem amplia a vigilância sobre indicadores de desempenho, sistemas de informação, práticas de transparência e mecanismos de retroalimentação de dados.
No campo da transparência, a Resolução de 2025 mantém os pilares já consolidados pela norma anterior, mas inclui requisitos técnicos mais rígidos para os sítios eletrônicos das entidades e das unidades supervisoras. A exigência de que os dados fiquem disponíveis nos portais por, no mínimo, cinco anos continua, mas a nova norma reforça o “prazo de 30 dias para publicação após o evento gerador, além de prever sanções mais explícitas para o descumprimento”.
No aspecto tecnológico, a nova resolução consolida o uso do portal TCE-Hub, prevendo a criação de um módulo eletrônico específico para recepção das informações relativas às parcerias. Essa ferramenta já havia sido anunciada na resolução anterior, mas agora passa a ser uma exigência concreta, com regras definidas para login, cadastro de responsáveis e segurança da informação.
Tomadas de contas especiais
Além disso, a Resolução nº 4/2025 inova ao prever, de forma mais detalhada, o uso dos dados eletrônicos recebidos nas análises de prestação de contas e na tomada de decisões corretivas. A norma reforça o papel das unidades supervisoras, impondo a elas o dever de instaurar Tomadas de Contas Especiais sempre que se verifiquem irregularidades, paralisações ou encerramentos não justificados das parcerias.
A revogação da Resolução nº 9/2024 é explícita no novo texto. A norma de 2024 havia revogado a resolução anterior de 2017, mas permaneceu em vigor por menos de um ano. Isso representa o esforço do TCE-GO para manter diretrizes à luz de novos desafios de governança e controle, especialmente diante do crescente processo de concessão de bens e serviços públicos para parceiros e de eventuais questionamentos sobre essa relação.
Em Goiás são diversas as organizações sociais civis (OSCs) que atuam na gestão e até na construção de unidades de saúde. É o caso, por exemplo, da obra do Hospital Cora, sob a responsabilidade da Fundação Pio XII, ligada ao Hospital do Amor (SP). Recentemente o governo anunciou parceria também na área de infraestrutura na mesma linha, onde dispensa licitação e atua com um ente do Terceiro Setor. Neste caso, o Instituto para o Fortalecimento da Agricultura (Ifag), ligado à Federação da Agricultura de Goiás (Faeg).
Apesar de não ter alterado o escopo da atuação do controle externo, a resolução de 2025 aperfeiçoa a função indutora e educadora do TCE-GO. Isto porque prevê a elaboração de materiais orientativos e a promoção de capacitações através da Escola Superior de Controle Externo Aélson Nascimento, órgão do Tribunal.
Resolução entrou em vigor de imediato
Além disso, entre as disposições finais, a Resolução nº 4/2025 estabelece sua imediata entrada em vigor, o que contrasta com o prazo de 90 dias estipulado pela norma anterior. Essa mudança indica um senso de urgência na implementação das novas diretrizes, especialmente em razão da obrigatoriedade do uso do módulo eletrônico já a partir do exercício de 2025.
O anexo único da nova resolução também foi mantido, servindo como repositório provisório dos documentos exigidos até a liberação definitiva do módulo no TCE-Hub. Ele lista relatórios, pareceres e notas técnicas que devem ser apresentados em conjunto com as prestações de contas anuais.
Recomendações de afastamento de dirigentes e rescisão de parcerias
A estrutura da nova resolução evidencia uma maior integração entre as frentes de controle, informação, capacitação e responsabilização. A menção direta à possibilidade de recomendação de afastamento de dirigentes e de rescisão de parcerias em caso de irregularidades reforça o viés de consequência da atuação do TCE-GO.
Do ponto de vista jurídico, a Resolução nº 4/2025 consolida um marco regulatório mais robusto e responsivo, elevando o padrão das exigências sem criar insegurança normativa. Ela se alinha às diretrizes nacionais de governança pública e responde a uma demanda crescente por transparência ativa no uso de recursos públicos repassados a entidades do terceiro setor.
Na prática, as entidades privadas e as unidades supervisoras deverão adotar medidas imediatas para adequação à nova normativa, com especial atenção à organização documental, à regularidade da comunicação com o Tribunal e à implantação dos requisitos de tecnologia previstos.
Ao padronizar e digitalizar o fluxo de informações, a resolução facilita o trabalho de auditoria e permite análises mais precisas, baseadas em dados estruturados. Essa mudança tende a favorecer também a detecção precoce de falhas ou desvios, ampliando o potencial preventivo da atuação do TCE-GO.
Com isso, o tribunal busca consolidar uma cultura de controle mais participativa, técnica e moderna, mantendo o rigor necessário ao acompanhamento da gestão pública.
Para o Terceiro Setor, a mudança implica um aumento na carga de conformidade. Por outro lado, também é uma oportunidade de qualificar sua atuação e ganhar legitimidade junto à sociedade e aos órgãos de fiscalização.
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