O Ministério Público Eleitoral (MPE) defendeu o recebimento da denúncia contra o deputado estadual Amauri Ribeiro (UB) por violência política de gênero, praticada contra a deputada estadual Bia de Lima (PT). A denúncia, protocolada em outubro de 2024, expõe nove episódios em que o deputado assediou, humilhou, constrangeu e discriminou a parlamentar, menosprezando sua condição de mulher em discursos na tribuna da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego).
Em entrevista ao Diário de Goiás, neste sábado (8), data em que é celebrado o Dia Internacional da Mulher, a deputada Bia de Lima relatou que as agressões verbais por parte de Amauri são cotidianas e praticadas contra outras parlamentares também. “O fato de que eu ser mulher, e ainda uma mulher professora, que vem de família humilde, ele acha que eu lá não poderia estar. Então, a tentativa de intimidação, a tentativa de me calar, de me silenciar, de me intimidar é cotidiana. E é esse o sentimento que as outras deputadas também têm lá na Assembleia. Elas não se posicionam e têm medo dele”, explicitou Bia.
De acordo com ela, os episódios se arrastam há um tempo e não são fatos isolados no plenário. “Tenho sido agredida reiteradamente desde o primeiro momento que cheguei na Assembleia Legislativa. E tenho coletado cotidianamente todas as agressões e violências que esse deputado vem a atingir em minha pessoa. Vou fazer o que a legislação me garante, que é de fazer denúncias e vou fazer várias denúncias”, apontou a deputada.
Eu não fui eleita para ser violentada dentro da Assembleia Legislativa. E ele tenta fazer isso em todas as formas de intimidação. Xingamento, palavreados chulos, desrespeito, gritos, intimidação pela força, intimidação pelo tom de voz, intimidação pelo nível da agressão e da violência.
Deputada Estadual, Bia de Lima (PT)
Denúncia acatada
O MPE defendeu o recebimento da denúncia em sessão plenária do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO) na última quinta-feira (6). Durante a sessão, o procurador regional eleitoral, Marcello Santiago Wolff, rebateu a tese da defesa do deputado Amauri, que alega não haver cometimento de crime por conta da imunidade parlamentar. “Essa prerrogativa, fundamental para a independência do Poder Legislativo, não é, contudo, um escudo para a prática de crimes, especialmente aqueles que atentam contra a igualdade e a dignidade de outros representantes do povo”, afirmou.
Em seu parecer, o MPE pede a condenação de Amauri Ribeiro com base no artigo 326-B do Código Eleitoral e requer indenização por danos morais à vítima. A denúncia apresenta vídeos das sessões e depoimentos de testemunhas como evidências da prática sistemática do crime eleitoral. O acordo de não persecução penal (ANPP) e a suspensão condicional do processo foram considerados inviáveis pelo MP Eleitoral devido à gravidade dos crimes.
O MP Eleitoral aponta que o deputado proferiu diversos xingamentos, sempre em público, diante de outros deputados estaduais, prefeitos, deputados federais, governador de Estado e outras autoridades, em eventos transmitidos pela internet ao vivo e que contam com milhares de visualizações. Os fatos estão documentados em gravações das transmissões de sessões ordinárias da Alego, disponíveis no YouTube.
Segundo o procurador, a própria razão de ser da Lei nº 14.192/2021, que tipificou a violência política de gênero no artigo 326-B do Código Eleitoral, seria esvaziada caso a imunidade parlamentar fosse interpretada de forma a acobertar tais condutas. “O legislador, ao criar este tipo penal, reconheceu a necessidade de proteger as mulheres na política, historicamente sub-representadas e vulneráveis a ataques misóginos que visam silenciá-las e impedir o pleno exercício de seus mandatos”, pontuou.
Deputado nega violência de gênero
Após a manifestação do procurador regional eleitoral e do advogado de defesa, o relator do processo adiou o julgamento para a próxima sessão, a ser realizada na terça-feira (11), às 17h. Ao Diário de Goiás o deputado Amauri Ribeiro se defendeu da acusação, afirmando que “nunca praticou violência de gênero contra ninguém”.
“Eu já sou deputado pelo segundo mandato, já fui vereador e nunca tive esse tipo de denúncia. Então, as minhas discussões é com o cargo de deputado. Agora, se ela é mulher e ela não quer entrar na discussão, ela que não se ofenda, ela que não fale o que ela tem falado”, defendeu Ribeiro. “As mesmas discussões que eu tenho com ela, eu tenho com Mauro Rubem, eu tenho com Antônio Gomide, e eles não se sentem ofendidos”, acrescentou.
Questionado sobre como a defesa tratará das acusões no julgamento da próxima semana, Amauri respondeu: “Primeiro, vou ver o que vai acontecer. Infelizmente nesse país de ladrão, de bandido, onde bandido tem vez, que bandido está sendo solto, nós da direita perdemos todos os nossos direitos, principalmente os deputados. Perdemos a imunidade. Nossa defesa é que as minhas discussões com ela são discussões de plenário, de dois deputados”, pontuou o parlamentar.
Defesa dos direitos
Bia de Lima afirma que a denúncia é parte de um posicionamento contra a conduta do deputado, que limita o exercício da função dela e de outras parlamentares da Alego. “Como mulher parlamentar, eu penso que eu tenho a responsabilidade de buscar a legislação, a lei, e buscar justamente construir novos patamares de civilidade, de respeito às mulheres que participam da política. Porque a política é um setor muito insólito para as mulheres”, ressalta a deputada.
“Goiás é o segundo estado mais violento contra as mulheres, nós precisamos pôr fim nisso. E que jeito que põe fim? É justamente punindo o agressor, punindo quem comete crime. Ele se ancorar, se esconder atrás da ideia de que tem prerrogativas, imunidade parlamentar. Não, a imunidade não é para você cometer crime, a imunidade é para você justamente ter o direito de se posicionar, mas sem agressão”, complementa Bia.
A deputada afirma que as expectativas são de que a justiça seja feita e que o deputado seja devidamente punido por seus atos. “Eu espero que haja a punição devida, eu espero que haja o respeito a partir daí, que justamente o Ministério Público Eleitoral está solicitando a perca do mandato do deputado e também que ele possa pagar pelas perdas e danos morais que eu tenho tido cotidianamente com as ações e atitudes desrespeitosas e criminosas”, pontua.
Apesar dos receios alheios, Bia diz que não teme por possíveis retaliações no meio político. “Não temo porque se eu me calar, eu não poderei ficar naquele lugar. Como é que eu vou exercer o mandato se todas as vezes que eu for usar a tribuna, ele, por sua vez, vai, sobe e me ataca? Isso é todo o tempo. Isso não foi um caso isolado”, expõe a deputada estadual.
*Matéria atualizada às 11h35 para inclusão do posicionamento do deputado Amauri Ribeiro.
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