19 de março de 2025
INFORMAÇÃO SEM AGRESSÃO

Ministério da Justiça cria Observatório para monitorar violência contra jornalistas

Portaria saiu na mesma semana em que houve novo episódio, quando deputado do UB xingou jornalista do Uol em resposta a um questionamento
Observatório vai monitorar casos e formar banco de dados - Foto: Fábio Rodrigues-Pozzebom / Agência Brasil
Observatório vai monitorar casos e formar banco de dados - Foto: Fábio Rodrigues-Pozzebom / Agência Brasil

Uma portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública publicada esta semana criou o Observatório da Violência Contra Jornalistas e Comunicadores Sociais que, entre outras coisas, vai monitorar e criar um banco de dados de ocorrências desse tipo.

As diretrizes, composição, organização e funcionamento do observatório estão previstas na Portaria nº 116/2025, publicada pelo Ministério no Diário Oficial da União de quinta-feira (6). O órgão está na jurisdição da Secretaria Nacional de Justiça (Senajus) do Ministério.

A necessidade desse tipo de instrumento ganhou força com mais um episódio de agressão contra um jornalista profissional, lembrou neste domingo o portal Congresso em Foco.

O caso envolveu Natália Portinari, colunista do UOL, que pediu informações ao deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), mas foi xingada pelo parlamentar. Elmar é o atual segundo vice-presidente da Mesa Diretora e era o líder do UB na Câmara até janeiro.

Além de se recusar a revelar o valor do aluguel de um imóvel de luxo em Trancoso, praia de Porto Seguro (BA), pertencente a um empresário denunciado por corrupção, o deputado respondeu com agressividade e palavrões. “Você olhou no meu Imposto de Renda que eu tenho uma empresa, que eu tenho duas empresas? Você sabe quanto é que a minha empresa me dá? Vá procurar o que fazer, minha filha. Tá apaixonada por mim, é? Vai tomar no c*, pô”, respondeu Elmar.

Repúdio

A jornalista tinha questionado o fato de o congressista ter alugado a casa de luxo pertencente ao empresário envolvido em corrupção, especialmente porque Nascimento é alvo de investigação pela Polícia Federal por outras ligações comprometedoras, segundo a corporação. A matéria foi publicada na sexta-feira (7).

Associações de jornalistas, como Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) emitiram notas de repúdio à hostilidade do parlamentar contra Natália Portinari. O sindicato ainda lembrou que o deputado perdeu a oportunidade de se explicar e exigiu que pedisse desculpas à profissional.

Instrumento pode ajudar no exercício do Jornalismo

A expectativa é que o jornalismo ganhe com o observatório, uma ferramenta que promete ajudar a garantir  o bom exercício da profissão, em especial nas situações de violência contra aqueles que cumprem a função social da profissão: a de informar com isenção.

Além disso, a intenção é que ele sirva também de canal de diálogo entre profissionais da área e o Estado, visando, inclusive, a elaboração de políticas públicas específicas e apoio a investigações.

De acordo com a Senajus,  ele terá, entre seus objetivos, monitorar ocorrências, sugerir políticas públicas, apoiar investigações e criar um banco de dados com indicadores sobre os casos.

O observatório será composto por representantes de diversas secretarias da pasta, bem como por 15 membros da sociedade civil com atuação comprovada na defesa da liberdade de imprensa e no combate à violência contra comunicadores.

Fenaj articulou criação do órgão

Entre as entidades que participaram dos debates visando sua criação está a Fenaj. Segundo a presidente da Federação, Samira de Castro, a exemplo do Conselho Federal de Jornalistas, essa é também uma demanda antiga da categoria.

“Desde o primeiro momento, o observatório era demanda da sociedade civil ligada ao campo do jornalismo. A situação se agravou muito durante os quatro anos do governo Bolsonaro, culminando nos atos de 8 de janeiro. Foi quando levamos uma proposta inicial ao então ministro da Justiça Flávio Dino”, explica a presidente da Fenaj em entrevista à Agência Brasil.

Segundo Samira de Castro, durante a gestão à frente do MJ, Flávio Dino deu início à estruturação do observatório. “No entanto, com a sua saída para o STF [Supremo Tribunal Federal], tivemos de partir as discussões praticamente do zero com a nova equipe ministerial”.

Entre as contribuições iniciais feitas pela sociedade civil, estão a elaboração do regimento interno do observatório e a composição de seu conselho.

Olhar do Estado

“A criação do observatório representa um olhar do Estado brasileiro sobre a garantia do direito humano que é o de acesso à informação. Nunca houve um mecanismo desse tipo, com olhar voltado especificamente não apenas para jornalistas, mas para comunicadores e pessoas que garantem direito de acesso à informação a suas comunidades”, explicou Samira na entrevista.

A jornalista destaca que a entrada do Estado nessa causa é um fato muito importante, inclusive para lidar com questões burocráticas da profissão, quando se torna necessário o enfrentamento à violência praticada contra jornalistas.

“Diversas entidades ligadas ao jornalismo, inclusive o Repórteres sem Fronteiras e a própria Fenaj, fazem acompanhamentos sobre a violência que é praticada contra jornalistas. Nossos relatórios, no entanto, não têm papel nem peso do Estado. Essa construção com a sociedade civil é um grande diferencial”.

Políticas públicas

Ela ressalta a possibilidade de, a partir das denúncias levadas ao observatório, se construir políticas públicas voltadas especificamente aos jornalistas, de forma a garantir que exerçam, da melhor forma, a profissão em suas especificidades.

Para Samira, é também importante para a proteção dos chamados comunicadores populares, que atuam em áreas não diretamente ligadas a direitos humanos, mas que também sofrem ameaças. “É o caso, por exemplo, de repórteres que cobrem políticas locais no interior do país. Antes, essa proteção estava restrita àqueles que trabalhavam diretamente na área de direitos humanos”.

Olhar sobre influenciadores e “pseudojornalistas”

De acordo com a dirigente da Fenaj, os grupos formados no âmbito do observatório ficarão atentos também “à confusão causada por influenciadores e os pseudojornalistas”, referindo-se a pessoas que, sem estudo adequado e sem diploma em jornalismo, reivindicam, para si, a profissão.

“Isso se intensificou após o STF considerar desnecessária a formação acadêmica em jornalismo. A Fenaj sempre defendeu a profissionalização, claro que dando atenção também aos comunicadores populares, quando produzem material próximo ao jornalismo, ajudando sua comunidade a ter acesso a informações relevantes”, acrescentou.

Para a Fenaj, a retirada da obrigatoriedade de diploma acadêmico para o exercício da profissão tem influência direta na banalização de uma atividade profissional necessária e estratégica para a sociedade.

Ela lembra que o próprio presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, tem declarado que o Brasil nunca precisou tanto de uma imprensa qualificada, e que essa constatação veio após o próprio STF ter retirado o critério mínimo para o exercício da profissão.

“Precisamos retomar essa discussão urgentemente, em meio a tantos perfis de redes sociais que se autointitulam jornalistas, emitindo a todo momento todo tipo de opiniões desqualificadas”, argumentou.

A presidente da Fenaj explica que, para atuarem no gênero opinativo, os jornalistas precisam estar minimamente embasados, ouvindo especialistas, não podendo se guiar pelo senso comum nem pelos achismos.

“Outros atores não se atêm nem mesmo à realidade do fato para emitir opinião. Opinam sem embasamento sobre questões que são importantes para a sociedade. Vidas podem ser colocadas em risco também por conta disso. Sem falar nas práticas criminosas cometidas por eles, quando pregam intolerância religiosa, racismo, LGBTfobia”, disse.

Discussão jurídica sobre a volta da exigência do diploma

Diante desse cenário, a Fenaj tem buscado se aproximar dos ministros do STF, a fim de viabilizar um reposicionamento sobre a questão do diploma. “Na época em que a suprema corte tomou a decisão, não havia plataformas de redes sociais com tamanho alcance e influência. Esse é um fato novo que, por si, justifica a retomada e a revisão do julgamento”, argumentou.

“Vivemos atualmente um cenário extremamente contaminado onde praticam o que chamo de pseudojornalismo. O observatório terá critérios objetivos de atuação em relação a esse tipo de situação também, mas com base em referências da academia, que também vai compor grupos de trabalho do observatório”, acrescentou a dirigente referindo-se aos integrantes do observatório, que terá, em sua composição, conselheiros públicos, sociedade civil e por representantes de ministérios como Justiça, Direitos Humanos, Igualdade Racial e Mulheres.

(Com informações do portal UOL, Agência Brasil e Congresso em Foco)


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