O médico Marcelo Prado pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Ministério Público Federal (MPF) investigação sobre os gastos do Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego) diante de demonstrativos constantes no Portal de Transparência do Conselho que, segundo ele, apontam valores excessivos, por exemplo, com jetons (remuneração para representar o órgão) à presidente, Sheila Soares Ferro Lustosa Victor, até para dar entrevista aos meios de comunicação.
O pedido de investigação foi registrado no TCU na terça-feira (27) e é principalmente sobre as ações da presidente do Cremego, mas não só.
A direção do Cremego foi procurada pelo Diário de Goiás na tarde desta quarta-feira (28), sobre a representação protocolada pelo suplente de Conselheiro do CFM. Em nota, o conselho informa que não foi notificado e que presta contas de suas despesas no Portal da Transparência do órgão. Leia a íntegra ao final.
“Já há um levantamento feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e é imperioso que isso seja feito também pelos órgãos de controle externo porque se trata de verbas públicas com natureza tributária e há vários indícios de gastos indevidos no Conselho Regional”, explicou o médico que fez a representação pedindo investigação no Cremego.
Autor da representação que pede investigação no Cremego, médico é Conselheiro Suplente do CFM
Marcelo Prado é cirurgião plástico e é Conselheiro Federal Suplente do CFM por Goiás. Ele frisou na representação aos órgãos de investigação que pesam fortes indícios de que a atual direção do Cremego “exorbitou pagamentos de jetons, verbas de representação, diárias e viagens muito acima do tolerável, excedendo todos os limites aceitáveis e dilapidando os recursos que havia no caixa”.
Ele sustenta que os registros financeiros do Cremego revelam pagamentos recorrentes e acima do padrão à presidente Sheila Ferro, com valores elevados em jetons, verbas de representação e outros benefícios. Os números chamam atenção pelo volume e pela natureza das atividades remuneradas.
Em outubro de 2024, os dados oficiais mostram que ela recebeu R$ 39.526,50 em jetons, verbas de representação e ouvidoria. No mês seguinte, novembro, o total chegou a R$ 36.684,50, incluindo despesas de representação em eventos, verbas de ouvidoria e diversos jetons. Já em dezembro do mesmo ano, seu salário totalizou R$ 34.466,00.
“Esse questionamento foi feito por alguns colegas médicos que preferiram não se identificar, mas que levantaram dúvidas ao tomarem conhecimento sobre o quanto o Cremego paga para conselheiros em cargos de direção e representação. Correu entre os médicos detalhes de como e quanto alguns conselheiros recebem e como isso impactou negativamente no orçamento do conselho nos últimos meses. E isso é dinheiro pago pela classe médica”, frisou Prado.

Os conselheiros podem receber jetons por atividades inerentes ao Cremego, limitados a 19 por mês e com o custo fixo de R$ 1.100,00 cada um. Por ser uma autarquia federal, os Conselhos precisam seguir as regras do serviço público como transparência, economicidade e eficiência.
Além disso, o portal do Cremego precisa ser constantemente atualizado com os dados da presidente e do conselho. Lá consta, por exemplo, que a presidente Sheila Ferro recebeu entre os meses de novembro de 2023 e fevereiro de 2025 um total de R$ 406 mil e o 2º secretário, Robson Paixão Azevedo, R$ 310 mil, citou o médico que pediu a investigação no Cremego.
Sheila recebeu por representar o Cremego em eventos distintos como sorteio de vagas, debate na televisão e outras ações. Antes disso, em outubro, a presidente recebeu do Cremego para conceder entrevista por telefone e participar de programa de rádio ao vivo.
Neste sentido, em outubro do ano passado, foi registrado um pagamento de R$ 12.254,00 para ela por seis atividades, sendo duas delas: entrevista sobre “Demografia Médica” por telefone, ao jornal O Popular, no dia 17 de outubro, e entrevista ao vivo sobre “As maternidades de Goiânia” concedida à Rádio Difusora, no dia 11 de outubro.
No demonstrativo de auxílios de representação do Cremego ao qual o Diário de Goiás teve acesso, relativo a outubro último, os demais pagamentos são por presença em solenidades e reuniões. Não está especificado o valor para cada participação da presidente do Conselho nos oito compromissos, mas ela consta como “favorecida” no demonstrativo no valor dos R$ 12.254,00, o que daria, supondo uma divisão igual entre os compromissos, R$ 2.042 a cada participação.
Os dados estão descritos e registrados no Portal da Transparência. Ele apurou que a presidente recebeu até por ser homenageada na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego).

Salário da Prefeitura
Além de receber do Cremego por ocupar a presidência, recursos pagos pela classe médica, Sheila Ferro recebe também R$ 9.000,00 mensais da Prefeitura de Goiânia como médica pediatra. Mas, nesse caso, está liberada do serviço por ser dirigente do Sindicato dos Médicos, onde é diretora de Assuntos Administrativos da atual gestão.
“Goiânia tem uma deficiência muito grande de pediatras na rede pública de saúde e essa colega recebe sem trabalhar por ser dirigente do sindicato. É o inverso da eficiência que pregamos para o serviço público de saúde”, alfinetou Marcelo Prado.
Ele ainda cita que Sheila Ferro e o 2º secretário Robson Azevedo estiveram juntos em algumas atividades como representantes do Cremego e ambos receberam sua verba como “despesa de representação”. Um exemplo foi uma solenidade para homenagear médicos com 50 anos de formados e médicos que completaram 70 anos de idade. “Inacreditável como gastam dinheiro do Cremego com certos tipos de atividades”, questiona.
Para somar, ele acrescenta que, de forma recorrente, a presidente incluiu entre despesas para o Cremego pagar até mesmo entrevistas por telefone que ela concedeu a jornais locais e rádios de Goiânia, como ocorreu em outubro passado. E disse que, além disso, em diversos meses, ela também recebe por sorteios de vagas em cursos PALS, ATLS E ACLS para médicos, realizados via Live, ou seja, uma transmissão de vídeo e áudio em tempo real, onde o conteúdo é transmitido ao vivo para uma audiência online, breves, com duração máxima de 15 minutos cada.

O conselheiro do CFM aponta que Robson também recebeu para conceder entrevista para televisão, programas de rádio e participar de plenária de saúde pública. “Mas, o que mais nos causou espanto foi o 2º secretário do Cremego receber para participar de live na internet”, lembrou o conselheiro federal.
Além disso, ele afirma que chama a atenção a discrepância nos valores recebidos, uma vez que o 2º secretário recebe verbas superiores às dos vice-presidentes e do 1º secretário, configurando uma inversão hierárquica que ele classifica como injustificável nos proventos. Conforme Prado, não há transparência nos critérios que determinam essa distorção, pois o cargo de 2º secretário não possui atribuições que justifiquem remuneração mais elevada; além disso, os vice-presidentes, por sua vez, exerceriam funções de maior relevância institucional.

Realidade da profissão X altos salários de conselheiros
Marcelo Prado considera que os altos salários de conselheiros médicos são incompatíveis com a realidade da profissão, pois a função não exige dedicação exclusiva e permite o exercício paralelo da atividade clínica. Para ele, enquanto médicos na linha de frente trabalham exaustivamente por remunerações muitas vezes modestas, os conselheiros desempenham funções burocráticas e protocolares que, embora necessárias, não justificam vencimentos exorbitantes.
“Esta distorção cria um grave desequilíbrio: enquanto médicos na ativa enfrentam jornadas exaustivas em hospitais e consultórios, com remuneração muitas vezes inadequada, vemos conselheiros sendo generosamente remunerados por atividades acessórias que não contribuem para o aprimoramento profissional ou para a qualidade da assistência à população. Se por um lado é legítimo pagar pelo trabalho administrativo real, por outro é indefensável transformar funções representativas secundárias em fonte de remuneração adicional, desvirtuando o propósito dos conselhos de medicina”, finaliza.
NOTA CREMEGO
O Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego) informa que, até o presente momento, não foi notificado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ou pelo Ministério Público Federal (MPF) a respeito das denúncias divulgadas, razão pela qual desconhece seu teor.
Esclarecemos que todas as despesas do Conselho são públicas, disponíveis no Portal da Transparência em seu site oficial, e realizadas em estrita conformidade com as normas emanadas pelo Conselho Federal de Medicina e pelo próprio TCU, órgãos que, inclusive, realizam auditorias regulares nas contas do Cremego.
Informamos que os gastos efetuados pelo Cremego estão diretamente relacionados ao efetivo desempenho de suas funções institucionais, sendo proporcionais à produtividade do órgão e devidamente comprovados por meio de documentos oficiais.
Ressaltamos, ainda, que é pública e notória a intensa atuação do Cremego na atual gestão, o que, naturalmente, demanda maior atividade por parte de toda a Diretoria e dos demais conselheiros.
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