Em um movimento político e econômico inusitado, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a bancada ruralista uniram forças para retaliar o novo tarifaço anunciado por Donald Trump, presidente dos Estados Unidos (EUA). A ofensiva brasileira tomou corpo nesta terça-feira (1º) com a aprovação do Projeto de Lei (PL) 2.088/2023. O projeto permite retaliações comerciais contra países que adotem medidas prejudiciais aos produtos brasileiros. A decisão ocorre na véspera da entrada em vigor da nova taxação de importações imposta por Trump.
A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou a proposta em caráter terminativo, a menos que no mínimo nove senadores solicitarem análise em Plenário. O encaminhamento direto à Câmara dos Deputados, sem necessidade de deliberação no Plenário, sinaliza a rapidez na tramitação que reflete a urgência imposta pela iminente taxação sobre produtos brasileiros.
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A senadora Tereza Cristina (PP-MS), relatora do projeto e ex-ministra da Agricultura, enfatizou que a proposta não se restringe aos EUA, mas estabelece uma defesa ampla dos produtos brasileiros diante de barreiras comerciais abusivas. “Agora, se o Brasil sofrer retaliações desmedidas, o governo passa a ter a possibilidade de responder de forma equivalente”, afirmou a parlamentar.
Alinhamento entre Lula e ruralistas
A aprovação gerada pelo PL expõe uma convergência rara entre o governo petista e a bancada ruralista, que representa uma das maiores forças no Congresso. Tradicionalmente opostos em temas como regulação ambiental e política agrária, ambos os lados encontraram um objetivo comum na necessidade de responder à taxação americana.
O presidente da CAE, senador Renan Calheiros (MDB-AL), destacou que a proposta fornece ao Executivo instrumentos para reagir às investidas comerciais externas. “Não estamos adotando a reciprocidade de imediato, mas garantindo que o governo possa utilizar esse mecanismo caso necessário”, explicou.
A bancada ruralista enxerga na medida um reforço à proteção do agronegócio brasileiro diante do que considera barreiras comerciais disfarçadas de exigências ambientais. Inicialmente focado na legislação da União Europeia (UE), que restringe importações baseadas em padrões ambientais mais rigorosos que os adotados pelo Brasil, o PL passou a englobar qualquer país ou bloco econômico que prejudique a competitividade nacional.
Camex terá papel central na retaliação
O projeto confere à Câmara de Comércio Exterior (Camex) autonomia para adotar contramedidas comerciais, como restrição às importações de bens e serviços de países que prejudiquem os produtos brasileiros. No entanto, prevê também um período de negociações antes da aplicação de sanções. A intenção é evitar escaladas desnecessárias no conflito comercial.
O Ministério das Relações Exteriores vai coordenar consultas diplomáticas para tentar resolver disputas antes de aplicar retaliações formais.
O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) também teve participação ativa na formulação da versão final do projeto. A posição do Mapa é de que o texto aprovado oferece um “instrumento equilibrado e estratégico para a defesa dos interesses do Brasil no comércio internacional”.
Implicações internacionais
A decisão de endurecer a postura brasileira ocorre em um contexto de crise no sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC). Desde 2020, os EUA bloqueiam a nomeação de novos juízes para o órgão de apelação da OMC, dificultando a resolução de disputas comerciais por meio de arbitragem internacional.
Diante desse vácuo institucional, o Brasil opta por reforçar mecanismos internos de defesa comercial. A ideia é evitar que medidas como o tarifaço de Trump ou restrições ambientais europeias interfiram na soberania nacional e prejudiquem a economia brasileira.
Lula fala em retaliação como resposta enérgica a tarifaço de Trump, como anseiam ruralistas
O jornal Folha de S. Paulo lembrou nesta terça que durante uma entrevista no Japão, na semana passada, o presidente Lula indicou que o Brasil estudava duas opções para lidar com as sanções comerciais dos EUA. “Uma é recorrer à OMC, e vamos recorrer. A outra é sobretaxar produtos americanos importados”, declarou. O PL 2.088/2023 fortalece a possibilidade de retaliação imediata, tornando real a ameaça de Lula de aplicar a chamada “lei da reciprocidade”.
Se aprovado na Câmara e sancionado pelo presidente, o projeto dará ao Brasil mais poder de barganha em disputas comerciais futuras. Por ora, a expectativa é que a mobilização do Congresso acelere a tramitação, com possibilidade de apreciação pelo plenário da Câmara já nesta quarta-feira (2).
No entanto, com esse instrumento em mãos, a resposta final do Brasil ao tarifaço de Trump dependerá da estratégia diplomática e comercial do governo Lula nos próximos dias.
De todo modo, tanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quando ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, avaliam que, como os EUA têm superávit com o Brasil, o país pode ser poupado do tarifaço, divulgou a Agência Brasil.
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