A recente denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) revelou que os chamados ‘kids pretos’, a maioria deles lotada em unidades do Exército em Goiânia, como mostrou o Diário de Goiás, em novembro último, pressionaram o Alto Comando do Exército a aderir ao plano golpista. O envolvimento direto desses militares, altamente treinados pelas Forças Especiais nos planos para sequestrar e assassinar autoridades do governo eleito, consta da denúncia.
De acordo com a PGR, pelo menos 12 militares formados em Forças Especiais participaram da conspiração, incluindo um ex-comandante do grupo. Em Goiânia operam o Comando de Operações Especiais (COpEsp) e o Comando de Operações Terrestres (COTER).
A maioria desses militares estava lotada em unidades do Exército que começaram a ser instaladas em Goiânia, no antigo 42º BIMtz, há cerca de duas décadas. Na época da chegada dos batalhões, a maioria dos militares de elite estava vindo de unidades do Rio de Janeiro para, segundo fontes da época, serem afastadas do crime organizado e do tráfico de drogas. Assim também manteriam estrategicamente mais proximidade com a capital federal, ocupando área militar que tinha próximo também a vantagem de um aeroporto com autorização para voos internacionais de cargas e passageiros, no setor Santa Genoveva.
‘Kids pretos’ de Goiânia usaram treinamento de elite nos planos de de golpe
O manual de campanha das Operações Especiais do Exército define os “kids pretos” como militares especializados em missões de alto risco, infiltração em ambientes hostis e operações clandestinas. Essa formação foi um dos fatores determinantes para o papel de destaque que desempenharam na tentativa de ruptura institucional.
Entre as missões atribuídas a esses militares estavam o sequestro e a eliminação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). Além disso, cabia aos “kids pretos” atuar na manipulação psicológica de integrantes do Alto Comando do Exército para obter sua adesão ao golpe.
“Esse grupo da organização criminosa [‘kids pretos’] atuou para pressionar o comandante do Exército e o Alto Comando, formulando cartas e agitando colegas em prol de ações de força no cenário político, tudo para impedir que o candidato eleito Lula da Silva assomasse ao [entrasse no] Palácio do Planalto”, destacou a CNN Brasil em trecho da denúncia.
Criação do caos e tentativa de imposição do estado de sítio
Um dos elementos centrais da trama foi a criação de um cenário de instabilidade que justificasse a decretação de estado de defesa ou estado de sítio. Segundo a delação do tenente-coronel Mauro Cid, dois oficiais do Comando de Operações Especiais o procuraram após as eleições de 2022 com a proposta de “criar o caos” para viabilizar a medida extrema.
A PGR destaca que as Forças Especiais não apenas participaram da tentativa de golpe com suas habilidades operacionais, mas também desempenharam papel fundamental no planejamento estratégico. Suas técnicas de operações psicológicas foram utilizadas na articulação dos acampamentos golpistas, na disseminação de propaganda e no recrutamento de apoio entre militares de alta patente.
As principais figuras da conspiração
As investigações da Polícia Federal (PF) apontam três militares das Forças Especiais como figuras centrais da conspiração: o general Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, então comandante de Operações Terrestres do Exército (COTER), o general da reserva Mário Fernandes, que também comandou unidades em Goiânia, e o tenente-coronel Mauro Cid que assumiria um posto na capital goiana, mas não teve êxito pelos desdobramentos das investigações contra ele.
Mário Fernandes, preso desde novembro de 2024, teve papel crucial na coordenação de ações de monitoramento e neutralização de opositores do golpe. Segundo a PF, ele elaborou o plano “Punhal Verde Amarelo”, que previa a eliminação de Lula e Alckmin antes da posse, e manteve comunicação direta com o ex-presidente Jair Bolsonaro. Fernandes também participou da operação clandestina “Copa 2022”, que visava o assassinato do ministro Alexandre de Moraes.
Já o general Theophilo, à época comandante do COTER, aceitou coordenar a participação das forças terrestres no golpe, sem informar o então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes. A PGR aponta que sua adesão ao plano foi um passo crucial para viabilizar a ruptura institucional.
Influência sobre o alto comando do Exército
Além das operações violentas planejadas, os “kids pretos” tentaram garantir o apoio do Alto Comando do Exército à conspiração. Para isso, Mauro Cid organizou uma reunião clandestina com ex-integrantes das Forças Especiais em 28 de novembro de 2022, em Brasília. O objetivo do encontro era discutir estratégias para influenciar os oficiais de alta patente a aderirem ao golpe.
Mensagens interceptadas pela PF mostram que, dois dias antes da reunião, Cid e o coronel Bernardo Romão Correa Neto discutiam a redação de um documento a ser enviado ao Alto Comando para pressionar os generais. A tentativa de persuasão, no entanto, não obteve o resultado esperado.
Evidências
As investigações revelaram que a conspiração era bem estruturada e contava com a participação de militares experientes e influentes. Registros mostram que o general Mário Fernandes visitou acampamentos golpistas em Brasília e se reuniu com lideranças bolsonaristas para manter a mobilização contra o governo eleito.
Além disso, evidências coletadas pela PF indicam que os golpistas adquiriram equipamentos de comunicação clandestina e celulares anônimos para conduzir a operação sem deixar rastros. A existência de planos detalhados para execuções de autoridades reforça a gravidade da tentativa de golpe.
A reportagem não localizou a defesa dos citados.
Leia mais sobre: Grupo foi preparado em Goiânia / Unidades especiais do Exército / Brasil / Direito e Justiça / Goiânia