Para impedir novas invasões e conflitos fundiários no Território da Comunidade Kalunga, no nordeste goiano, a Justiça Federal deu 60 dias para que a União, o estado de Goiás, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Fundação Cultural Palmares apresentem um plano conjunto de fiscalização do território. O pedido de cumprimento de liminar (tutela provisória) foi apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF) em Goiás diante da inação dos órgãos frente a uma determinação anterior nesse sentido, expedida em 2023.
A medida busca impedir novas invasões e conflitos entre grileiros e os quilombolas que vivem nos municípios goianos abrangidos pelo território: Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre de Goiás.
Presença secular dos Kalungas no território fica ameaçada sem fiscalização
A comunidade é formada por quilombolas descendentes de escravos e ex-escravos que há mais de três séculos optaram por viver em regiões inóspitas e distantes das cidades da região nordeste de Goiás, mantendo tradições, cultura, religiosidade e estilo próprio de vida.
Entretanto, é comum a tentativa de grileiros de se apossarem de pedaços da área da comunidade. Criações de animais como búfalos já foram introduzidas por grileiros dentro do território. Além disso, como a região já foi alvo de garimpo no passado, também existem garimpeiros ilegais que rondam a área.
Por ser parte da Chapada dos Veadeiros, o território ainda é assediado por pessoas interessadas em turismo irregular, que chegam a cobrar pelo acesso a cacheiras da região, mesmo havendo a presença de guias da própria comunidade Kalunga.
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Conflitos e violência por inação dos órgãos
Em 2023, como resultado de ação civil pública ajuizada pelo MPF, a Justiça já havia determinado a elaboração e a execução de um plano de fiscalização para o local. “No entanto, a decisão ainda não foi cumprida e há muitos conflitos, com diversas áreas invadidas, o que causa violência e insegurança para os quilombolas”, informa o procurador da República José Ricardo Teixeira Alves, através da assessoria de comunicação do MPF.
Segundo ele, o objetivo do MPF é garantir a segurança dos quilombolas e garantir que o território seja definitivamente entregue aos Kalungas. Há décadas que a comunidade espera por reconhecimento e proteção.
Na ação, o MPF inclusive destaca a demora do Incra em demarcar e titular os territórios quilombolas. No caso particular do Território Quilombola Kalunga, as fronteiras já foram reconhecidas e devidamente delimitadas pelo poder público, inclusive por meio de lei.
Na peça, o MPF explicou que as atividades de delimitação, demarcação e titulação, antes de responsabilidade da Fundação Palmares, foram transferidas ao Incra que, em 2004, iniciou processo administrativo para a titulação definitiva das terras reivindicadas pela Comunidade Quilombola.
Entretanto, de acordo com o MPF, o processo administrativo tramitou lentamente, foi arquivado em agosto de 2019 sem conclusão, gerando consequências já muito danosas. Por causa disso, dos 262 mil hectares que integram originariamente o território, apenas aproximadamente 34 mil hectares foram titulados definitivamente para a comunidade.
Sobre o Território Kalunga
O Território Quilombola Kalunga foi reconhecido pelo estado de Goiás como Sítio Histórico e Patrimônio Cultural em 1991. No ano seguinte, o mesmo reconhecimento veio da Fundação Cultural Palmares do Ministério da Cultura (FCP/Minc).
Ele é considerado o maior do Brasil e foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o primeiro Território e Área Conservada por Comunidades Indígenas e Locais (Ticca) do país, em 2021.
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