Uma prisão em flagrante por suposto furto qualificado terminou com uma decisão contundente do Judiciário e um alerta sobre excessos na condução policial. O juiz Thiago Soares Castelliano Lucena de Castro, durante plantão no Tribunal de Justiça de Goiás, determinou o relaxamento da prisão de Taynara Divina Arruda Soares Trindade e Shalon Andrade Santos, após concluir que houve erro de tipo, figura prevista no artigo 20 do Código Penal, que afasta a existência de dolo quando o agente age por engano sobre a realidade dos fatos.
A decisão aponta que Taynara confundiu a necessaire de uma vítima com seus próprios pertences, o que foi comprovado pelas imagens do circuito interno do hotel onde o casal estava hospedado. “Não tendo conhecimento e, portanto, vontade dirigida à subtração de coisa alheia, crime não há”, escreveu o magistrado. Ele destacou que as circunstâncias do caso demonstram a ausência de dolo e reforçam a versão da acusada, que pegou a bolsa à vista de todos, sem qualquer tentativa de ocultação ou fuga.
Falha na investigação
O episódio lança luz sobre falhas na condução da investigação, principalmente por parte da autoridade policial. O juiz destacou que o delegado responsável, Sérgio de Sousa Arras, não anexou as imagens internas do hotel ao auto de prisão em flagrante, mesmo tendo conhecimento da sua existência, descumprindo o dever previsto no artigo 6º do Código de Processo Penal. Por esse motivo, foi oficiada a Corregedoria da Polícia Civil para apurar possível infração funcional.
“Há evidente erro de tipo, porque não furtou coisa nenhuma. Acreditou que pegava sua própria bolsa”, concluiu o juiz. Ele ainda criticou a ausência das provas essenciais no auto e determinou a imediata expedição de alvará de soltura.
Durante a audiência de custódia, Taynara relatou que foi algemada por cerca de 30 minutos, impedida de se comunicar e chamada de “vagabunda” por policiais, além de não ter tido acesso imediato à defesa. Shalon afirmou que foi empurrado e jogado ao chão, e que em nenhum momento teve chance de explicar o ocorrido. Ambos sustentaram que não sabiam que a bolsa não lhes pertencia e que a abordagem no hotel ocorreu com o uso de uma chave mestra, sem mandado judicial, o que, segundo a defesa, também representa violação de domicílio.
Apesar do Ministério Público ter apontado a existência de indícios de crime no momento da prisão, o juiz entendeu que a própria análise das provas, em especial das imagens que a defesa conseguiu obter — derruba a tese de furto. Para o magistrado, os elementos indicam que Taynara agiu sem consciência da ilicitude.
Com a decisão, o caso será redistribuído a uma das Varas Criminais de Goiânia para eventual continuidade da apuração, agora com os réus em liberdade. O episódio acende um alerta sobre os riscos de prisões precipitadas e espetacularizadas, sobretudo quando motivadas mais pela repercussão do que pela apuração rigorosa dos fatos.
Leia mais sobre: Investigação / TJ-GO / Cidades / Geral / Goiânia