O Instituto Federal Goiano (IF Goiano), campus Urutaí, instaurou uma Investigação Preliminar Sumária (IPS) para apurar suspeitas de irregularidades em artigos científicos publicados por um de seus pesquisadores, Guilherme Malafaia. O caso ganhou repercussão após a revista científica Science of the Total Environment, da editora Elsevier, retratar e despublicar 44 artigos assinados pelo professor, alegando indícios de manipulação no processo de revisão por pares, como mostrou o Diário de Goiás em dezembro último, após revelações da Folha de S. Paulo.
A investigação interna foi iniciada em novembro do ano passado e segue em andamento na Comissão de Ética do IF Goiano, segundo nota oficial enviada pelo instituto para a Folha e publicada nesta quarta-feira (5).
O procedimento interno na instituição de ensino tem caráter inquisitório e preparatório, com duração de até 180 dias, e visa apurar indícios de autoria e materialidade antes de qualquer medida disciplinar formal. A instituição informou que a comissão responsável pelo caso analisará todas as denúncias recebidas, incluindo aquelas feitas anonimamente pela sociedade, além de reportagens publicadas pela imprensa, confirmando também que houve iniciativa do pesquisador em que houvesse a apuração.
“Até o momento, a instituição não recebeu novas denúncias, sejam internas ou externas, relacionadas a este caso (…) e o professor segue lotado em seu cargo (professor do ensino básico e tecnológico) e continua como coordenador do Laboratório de Toxicologia Aplicada ao Meio Ambiente”, diz o comunicado.
A retratação dos artigos ocorreu após a descoberta de que dados dos pareceristas sugeridos no processo de revisão continham informações fictícias, incluindo contas de e-mail falsas. Segundo a editora Elsevier, os nomes indicados por Malafaia pertencem a cientistas que negaram qualquer envolvimento com os trabalhos publicados. A plataforma Retraction Database já catalogou 44 artigos retratados, podendo chegar a 47.
Ranking inglório
Texto da Revista Pesquisa, publicação da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), de sábado (1º), afirma que o pesquisador goiano tomou posição de destaque em um ranking inglório: o 11º autor com mais artigos retratados no mundo segundo a Retraction Watch – base de dados que monitora e analisa publicações com foco na integridade da produção científica.
Autores parceiros defendem pesquisador do IF Goiano
Além disso, a revista também ouviu dois pesquisadores, um de Farmacologia e outra da Medicina de universidades de São Paulo, que atuaram em trabalhos com Malafaia que foram despublicados pela editora Elsevier. Eles defenderam que se tratava de artigos com a lisura e o rigor exigido para uma publicação científica. Segundo eles, um grupo de Whatsapp formado por vários pesquisadores está dividido quanto aos fatos denunciados.
Malafaia, que é professor do ensino básico e tecnológico e coordena o Laboratório de Toxicologia Aplicada ao Meio Ambiente, nega as acusações e questiona a condução da investigação feita pela Elsevier.
A reportagem do DG enviou e-mail para o pesquisador nesta quarta-feira, mas ainda não recebeu resposta. O espaço permanece aberto para a versão dele.
Em nota à Folha, Malafaia afirmou que a IPS não tem caráter acusatório e que surgiu quando ele solicitou assessoria jurídica à instituição, solicitação que ainda não foi atendida. O pesquisador também alega que ainda não foi formalmente convocado para prestar esclarecimentos no âmbito da investigação.
O caso
A Elsevier abriu o procedimento após receber alertas sobre possíveis inconsistências em artigos do pesquisador. A editora identificou que os revisores sugeridos por Malafaia utilizavam e-mails inexistentes ou desconhecidos pelos próprios cientistas listados. Entre os nomes citados estão Michael Bertram, Olga Kovalchuk e Graham Scott, que negaram qualquer relação com os trabalhos.
Em sua defesa, Malafaia afirma ter obtido os endereços eletrônicos de revisores por meio de uma base científica chinesa, a CNKI (Infraestrutura Nacional de Conhecimento da China). No entanto, alega ter perdido o acesso à sua conta, o que impossibilitou a comprovação da origem dos endereços de e-mails. Além disso, ele argumenta que a responsabilidade de verificar a autenticidade dos revisores sugeridos caberia à editora.
Consequências da apuração no IF Goiano
A IPS conduzida pelo IF Goiano pode resultar na abertura de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), ou em outras medidas, como a celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). A instituição reforçou que a investigação está em fase inicial e que todas as informações serão analisadas antes de qualquer decisão.
O caso levanta questões sobre a integridade acadêmica e os mecanismos de controle na publicação científica. O periódico Science of the Total Environment, que publicou os artigos de Malafaia, foi alvo de questionamentos anteriores por priorizar quantidade em detrimento da qualidade das publicações. Em 2020, um artigo controverso sobre o uso de amuletos de pedra contra a Covid-19 foi retratado após críticas de especialistas. O editor responsável, Damiá Barceló, também esteve envolvido na edição dos artigos do pesquisador brasileiro.
A suspensão temporária do periódico pela plataforma Web of Science, em outubro passado, reforça as preocupações sobre a confiabilidade do processo editorial da publicação. A investigação sobre os trabalhos de Malafaia iniciou nesse contexto.
O pesquisador, por sua vez, no ano passado expressou indignação com a forma como o caso estava sendo tratado. Em publicações nas redes sociais, ele alegou ter sido prejudicado profissional e pessoalmente por falhas editoriais e falta de transparência por parte da Elsevier.
Além disso, Malafaia também recorreu ao Committee on Publication Ethics (COPE), entidade que fiscaliza a ética em publicações científicas, para reverter as retratações. Não há informações atualizadas sobre qual foi o parecer definitivo do COPE sobre o caso.
Leia mais sobre: Investigação apura despublicação / Pesquisador do IF Goiano de Urutaí / Brasil / Cidades / Educação