Em entrevista exclusiva ao editor-chefe do Diário de Goiás, Altair Tavares, o prefeito de Goiânia, Sandro Mabel, anunciou que a capital caminha para se tornar uma cidade lixo zero. A declaração foi feita após uma visita à sede da Amsa, empresa pública-privada que faz a gestão de resíduos em Milão, na Itália, referência mundial no setor. Segundo Mabel, o modelo italiano é eficiente, financeiramente viável e aplicável à realidade de Goiânia.
A expectativa é que Goiânia inicie, ainda este ano, os processos para uma concessão internacional do serviço. A meta é atrair investidores privados que assumam os custos da implantação da nova estrutura, baseada no modelo europeu. O município pagaria uma taxa pela coleta e destinação do lixo, como já ocorre em países como a Itália.
“Estamos fazendo os estudos e vamos montar um modelo que permita a seleção técnica, com várias empresas capacitadas, para termos a melhor solução”, explicou. Segundo ele, empresas da Coreia do Sul, Ceará e outros países já apresentaram propostas semelhantes anteriormente.
Entre os compromissos da gestão estão: a eliminação do atual lixão, a transformação do sistema em aterro sanitário provisório, o aumento progressivo da reciclagem (de 3% para índices superiores a 60%) e a retirada gradual dos resíduos já depositados, até zerar o passivo ambiental.
Visita em Milão
Na última quinta-feira (17), o prefeito de Goiânia, Sandro Mabel, visitou em Milão, na Itália a a Empresa Milanesa de Serviços Ambientais (Amsa, em italiano), referência mundial em gestão de resíduos e serviços ambientais. A empresa possui números expressivos, como, por exemplo, a utilização de 100% dos resíduos municipais para a reciclagem ou produção de energia.
“Aqui é lixo zero. Todo lixo que entra é aproveitado, com 67% de reciclagem. É muita coisa. Estamos fazendo o nosso aí de 4% ou 5%, então estamos jogando muito material fora e enchendo nossos aterros. Aqui não tem aterro. Aqui, todo o lixo é processado, transformado em energia e adubo. Não existe aterro, e nós vamos acabar com esse de Goiânia também”, prevê Mabel. Confira a entrevista na íntegra:
Altair Tavares: Prefeito, dentro da visita que o senhor fez para entender como se aproveita o lixo em larga escala, como é feito nessa empresa, o que é possível implementar em Goiânia?
Sandro Mabel: Eu vejo como uma grande evolução. Essa empresa que visitamos aqui em Milão é uma referência. Eles coletam todo o lixo da cidade e também da região metropolitana.
Eles têm um número de caminhões compactadores muito superior ao que temos em Goiânia, mesmo sendo cidades de tamanhos semelhantes. A tecnologia de recuperação que eles utilizam permite o aproveitamento de 100% do lixo. Ou seja, nada vai para aterro — aqui não existe aterro sanitário.
Eles conseguem reciclar 67% de todo o material recolhido. O restante, que não é reciclável, é incinerado para geração de energia, o que representa uma fonte importante de receita para a empresa. E essa queima é feita com tratamento adequado, sem poluir o ar. Então, aqui o conceito é de “lixo zero” — todos os dias eles eliminam completamente os resíduos.
Essa é a visão que estamos perseguindo em Goiânia. Já recebemos três ou quatro propostas de empresas, inclusive de duas com quem tivemos reuniões: uma coreana e outra que tem participação de uma empresa do Ceará. Pedimos a elas que não apenas tratem o lixo recolhido diariamente, mas também que retirem entre 10% e 20% do lixo que hoje está depositado no aterro, para também processá-lo.
Se recolhemos, por exemplo, mil toneladas por dia, essas empresas poderiam retirar outras 100 a 200 toneladas do aterro existente, reduzindo gradativamente esse passivo ambiental. Com o passar dos anos, o aterro seria completamente desativado. Não precisaríamos mais gastar com sua manutenção pelos próximos 25 anos.
A ideia é que, a partir da implantação desse modelo, Goiânia caminhe para o “lixo zero” e o “aterro zero”. Ou seja, não teremos mais aterro na cidade — o lixo será totalmente reaproveitado.
Altair Tavares: E o caminho para chegar a esse modelo seria por meio de uma licitação internacional para concessão do tratamento do lixo?
Sandro Mabel: Isso, mais ou menos é por aí. Primeiro, é preciso fazer uma modelagem desse processo. Mas, de forma geral, sim — seria uma licitação internacional para que empresas interessadas possam apresentar seus projetos. A prefeitura faz um termo de referência com base em uma tecnologia que esteja disponível para mais de três ou quatro empresas — não pode ser algo que só uma empresa tenha — justamente para permitir concorrência e obter a melhor oferta possível.
Só para você ter uma ideia: aqui em Milão, a empresa responsável pela gestão de resíduos é municipal. A prefeitura detém 50,2% das ações, e o restante é negociado em bolsa. No ano passado, essa empresa teve um lucro de 800 milhões de euros.
A coleta de resíduos aqui não se limita ao lixo comum. Eles recolhem restos de poda de árvores, madeira, móveis e muitos outros materiais. E conseguem transformar tudo isso — além de eliminar os custos para a prefeitura, ainda geram lucro. Como eu disse, 800 milhões de euros por ano. É um modelo muito bem estruturado.
Claro que tudo isso envolve o pagamento de uma taxa pelo contribuinte. Hoje, a taxa de lixo em Milão é cerca de sete a oito vezes maior do que a menor tarifa que temos no Brasil. Além disso, eles têm um sistema de cobrança embutido em diversos produtos: por exemplo, ao importar um controle remoto, já estão incluídos alguns centavos de euro que a empresa vendedora tem que repassar ao município, como forma de custear o descarte e o tratamento adequado daquele item.
Aqui, todo o lixo recebe a destinação correta: eletrônicos, geladeiras, móveis, madeira — tudo. Então, quando alguém compra qualquer produto no supermercado, o custo do descarte já está embutido no preço.
Essa ideia de logística reversa que temos no Brasil funciona de forma diferente aqui. Em vez de esperar que o fabricante recolha o item depois do uso, a própria empresa pública de resíduos já faz todo o processo de aproveitamento e destinação — seja reciclando, seja incinerando.
Hoje, cerca de 67% de todo o material é reciclado. Os outros 33% viram energia.
Altair Tavares: Outros prefeitos também receberam propostas, fizeram visitas e ouviram ideias para reorganizar a situação do lixo em Goiânia, certo? Alguns nem deram atenção — opinião minha, inclusive —, houve resistência. O senhor acredita que conseguirá superar essa barreira, essa resistência, ou até mesmo o gigantismo desse projeto?
Sandro Mabel: Sim, acredito que sim. Na verdade, todos esses projetos não envolvem recursos do município. A empresa que entra no processo é quem faz o investimento. Agora, isso não quer dizer que não exista custo — alguém paga por isso. Aqui, por exemplo, tudo funciona por meio de taxa. Essa taxa é repassada à empresa responsável pela coleta e pelo aproveitamento dos resíduos.
Ela recebe por esse serviço e também consegue gerar receita com a venda dos materiais recicláveis. As usinas que eles possuem aqui, só para você ter uma ideia, processam 24 tipos diferentes de plásticos — ou polímeros, como eles chamam. O PET é processado em uma usina, o PVC em outra, o polietileno em outra, o polipropileno em outra, e assim por diante.
Inclusive, o custo da embalagem influencia nesse processo. Quando uma empresa vende um produto com embalagem multicamadas — como o tetrapak, por exemplo, que tem cinco ou seis camadas —, ela paga mais caro, justamente porque esse tipo de embalagem é mais difícil de reciclar.
Eles estão nos enviando todo o material técnico, inclusive as campanhas educativas que fazem, porque aqui há um trabalho muito forte de conscientização da população. As pessoas já separam o lixo em seis tipos diferentes dentro de casa.
Os caminhões passam duas vezes por semana: em um dia recolhem o lixo orgânico, no outro, os recicláveis, divididos em categorias. Por exemplo, em um dia recolhem papel, vidro e latas; no outro, plástico e outros materiais. Quando o caminhão chega à central, já descarrega diretamente nas baias específicas — o vidro vai direto para o caminhão que o leva à fábrica responsável pelo processamento.
É um sistema muito bem organizado, realmente impressionante. Eles estão nos enviando tudo — desde a regulamentação até como a empresa foi constituída. Essa empresa já tem 15 anos de atuação.
Essas visitas ao exterior são importantes por isso: voltamos com muito material que nos ajuda a tomar decisões.
A gestão do Sandro Mabel vai resolver a questão do lixo em Goiânia. O que não foi feito no passado, nós vamos fazer agora. Vamos acabar com o aterro sanitário e transformar Goiânia em uma cidade lixo zero.
Vamos atrair investidores — eles existem — e implantar esse modelo. Agora, claro, isso não se faz da noite para o dia. É um processo. Mas é totalmente possível e atrativo. No mundo, há empresas interessadas em projetos assim.
Vamos trabalhar com força nesse tema. Até o fim deste ano, vamos resolver a situação do atual aterro. Vamos dar viabilidade a ele, acabar com o lixão que existe hoje.
Já assumimos as balanças, já instalamos novas balanças para controle do lixo. O senador Vanderlan destinou 14 milhões de reais em máquinas especializadas. Os tratores de esteira, por exemplo, são próprios para operação em depósitos de lixo. Também recebemos caminhões e três pás carregadeiras grandes, que estão nos ajudando.
Estamos organizando o depósito para que ele funcione como um verdadeiro aterro sanitário, e não como um lixão. Dentro disso, temos a proposta de deixar de enviar lixo para esse local, conforme avançarmos na instalação das unidades de reciclagem.
Vamos acelerar muito essa parte. Hoje reciclamos apenas 3%. Aqui em Milão, são 67%. Veja a diferença. Todo esse material que poderia ser reaproveitado, e que hoje vai para o aterro, pode ser retirado desse ciclo.
Também vamos tirar os RCCs — resíduos da construção civil — que estão misturados no aterro, e transferi-los para uma área própria.
Há várias mudanças previstas na gestão dos resíduos em Goiânia. E a principal conclusão que tiramos aqui é: o lixo pode ser fonte de receita, e o município pode se livrar desse problema.
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