Uma pesquisa divulgada pela Genial Quaest na última segunda-feira (3) trouxe à tona um fenômeno curioso no cenário político brasileiro: a desaprovação ao governo Lula vem aumentando, mas o presidente segue como favorito nas intenções de voto para a eleição de 2026. O resultado evidencia a complexidade do eleitorado brasileiro e a dinâmica de polarização que marca o país desde 2018.
Para entender esse aparente paradoxo, o Diário de Goiás entrevistou especialistas em ciência política para uma interpretação dos dados divulgados pelo levantamento.
O cientista político Pedro Célio atribui esse cenário à continuidade da polarização que se intensificou nas eleições anteriores. “A explicação primeira, a meu ver, é a manutenção do quadro altamente polarizado, que vem das eleições de 2018 e 2022. Nesse cenário, algumas percepções vêm se consolidando mais do que sendo dirimidas”, afirma.
Ele também destaca a importância da “frente ampla” que se formou em defesa da democracia, o que leva parte do eleitorado a continuar apoiando Lula, mesmo diante das críticas ao seu governo. “No espectro dos que optam pela democracia, não emergem concorrentes ao nome de Lula”, observou explicando:
Cabe até pensar que esses segmentos conseguem qualificar como indesejáveis os desatinos e arroubos advindos com o retorno de Trump nos EUA e, ao passo que os associem às mensagens anti-institucionais da direita (bolsonarista e não bolsonarista), rejeitando-os.
Sobre a rejeição ao governo, Pedro ressalta que o descontentamento não se deve apenas às questões econômicas. “Se fosse somente pelo desempenho da economia, os sinais de queda da rejeição favoreceriam mais o governo. A polarização introduz motivos ideológicos, ligados a costumes, que continuam atraindo os eleitores para aceitarem os temores e ameaças de verniz conservador”, pontua.
O peso da visibilidade pública
Para o professor e doutor em Comunicação, Luis Signates os números refletem mais o grau de conhecimento do eleitorado sobre as figuras públicas do que uma intenção de voto definitiva. “Pesquisa de intenção de voto, fora de contexto eleitoral, não mostra, necessariamente, voto. Mostra grau de conhecimento e tendências de aprovação e rejeição”, explica.
Ele reforça que o fato de Lula ocupar a presidência lhe confere grande visibilidade, tornando-o a figura mais lembrada pelos eleitores. “Essa visibilidade tem sido marcada no Brasil por uma polarização muito intensa desde 2016”, acrescenta. Além disso, Signates lembra que momentos de alta rejeição não são sinônimos de derrota eleitoral. “No segundo semestre de 2005, o país foi sacudido pelo escândalo do Mensalão, e Lula foi reeleito no ano seguinte”, exemplifica concluindo:
O que, então, significa esses resultados, neste momento? Que Lula, por exercer a Presidência da República, é o nome com maior visibilidade pública neste momento, tanto no sentido de ser prestigiado, quanto de ser combatido.
Em sua análise Signates explica que os demais nomes, aqueles que se situam em torno de 20 a 32% de desconhecimento (Lima, Michelle, Ciro, Haddad, Marçal e Eduardo), lutam contra uma rejeição semelhante, na casa dos 50 a 56%. Quando o desconhecimento aumenta acima de 40% (Tarcísio, Ratinho, Zema e Caiado), a rejeição cai bastante, mas a aceitação também. “O que podemos concluir disso? Que não é possível falar em voto, ainda. Os números mostrados refletem índices de conhecimento, prestígio e, sobretudo, a rejeição que comumente é aplicada aos políticos em geral”.
Os desafios da oposição
Para Pedro, a oposição enfrenta dificuldades em transformar a desaprovação a Lula em apoio efetivo a um candidato alternativo. “A mais forte é superar o extremismo. Para isso, é necessário reaprender a defender suas bandeiras, desvencilhando-se da influência de Bolsonaro e do ‘estilo’ bolsonarista”, avalia.
Ele observa que a direita começa a buscar novos nomes, como Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado e até figuras fora da política, como o cantor Gusttavo Lima. “O desafio para esse campo político será construir uma candidatura unificada e se distanciar da retórica extremista”, conclui.
O caso de Haddad
Outro dado relevante da pesquisa é a rejeição elevada ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que supera até mesmo a de Lula. Pedro acredita que essa rejeição não deve ser interpretada como um indicativo real de sua viabilidade eleitoral. “Enquanto Lula mantiver a candidatura, Haddad não pode ser considerado candidato de fato”, afirma.
Signates acrescenta que a rejeição a Haddad segue um padrão observado em outros nomes da política. Segundo ele, o prestígio de Lula não se transfere facilmente para nomes que estejam com ele, como se pode ver na rejeição de Haddad. “Da mesma forma, o prestígio de Bolsonaro não se transfere facilmente também para seu filho Eduardo. Os sucessores, num quadro embolado como o atual, devem ser arduamente trabalhados. E, neste momento, nenhum deles está fazendo isso”, disse concluindo:
O quadro, portanto, é de incerteza e instabilidade, num contexto em que Lula ainda é o mais conhecido, o mais visível e o preferido dos eleitores em geral.
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