Um Grupo de Trabalho criado pelo Estado-Maior do Exército tem até o dia 28 desse mês para apresentar um relatório final sobre as mudanças no Comando de Operações Especiais (Copesp), unidade de elite do Exército localizada em Goiânia, onde serviam os 12 militares conhecidos como “kids pretos” denunciados por tentativa de golpe. A iniciativa ocorre paralelo ao julgamento do caso no Supremo Tribunal Federal (STF).
A Agência Pública revelou nesta segunda-feira (10) que um dos nomes centrais que fizeram disparar as medidas de revisão e reestruturação do Copesp, é o do tenente-coronel Guilherme Marques Almeida. O militar é o ex-comandante do primeiro e único Batalhão de Operações Psicológicas que o Exército já teve.
O oficial, que ficou conhecido após desmaiar quando foi intimado pela PF no Conjunto Militar do Setor Marista, em Goiânia, é acusado de preparar operações psicológicas para influenciar civis e disseminar desinformação com o objetivo de impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele foi flagrado pela investigação defendendo “sair das quatro linhas” para o grupo não perder o poder e agora responde por participação em “operações estratégicas de desinformação” na trama golpista.
Leia também: Oficial que desmaiou em operação da PF em Goiânia era do Núcleo de Desinformação de Bolsonaro
De acordo com a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), baseada na investigação da Polícia Federal (PF), Marques Almeida utilizava grupos de WhatsApp para disseminar narrativas falsas sobre fraudes nas urnas eletrônicas e estimular manifestações em frente ao Congresso Nacional. Em um dos áudios obtidos pela PF, ele descreve a invasão das sedes dos Três Poderes ocorrida em 8 de janeiro de 2023 como um “mecanismo de pressão” para reverter o resultado das eleições. “Dá pra fazer um ‘trabalho bom’ nisso aí”, teria dito o oficial.
Unidade do Exército de Goiânia não pode mais participar da admissão de novos “kids pretos”
As Forças Especiais do Exército, cuja base principal é Goiânia, passaram a ser alvo de reestruturação após a divulgação do relatório final da PF, em novembro de 2024. O comando do Exército decidiu reformular a formação desses militares e implementou mudanças no processo de seleção para cursos de Forças Especiais.
O Copesp foi excluído do processo de admissão de novos alunos, e a responsabilidade passou para o Comando Militar do Planalto e o Departamento-Geral de Pessoal do Exército, ambos em Brasília, segundo apurou a Pública.

Uma das principais mudanças anunciadas é justamente a retirada do curso de operações psicológicas do Copesp. Desde 2017, essa especialização era oferecida na unidade de Goiânia, mas a partir de 2025 será transferida para o Centro de Estudos de Pessoal do Exército, no Rio de Janeiro, informou a Agência Pública.
Essa decisão teria se dado para evitar que o curso fosse utilizado com fins não institucionais, já que militares ligados ao Copesp foram denunciados por manipular informações com intenções políticas.
Exército ainda não comentou
Ainda não se sabe os detalhes, mas a estrutura do Copesp também será revisada. Nesta segunda-feira, a reportagem do Diário de Goiás buscou mais informações e ouvir o Exército sobre o processo de reestruturação e o grupo de trabalho, mas o e-mail enviado ao Centro de Comunicação Social do Exército (Ccomsex) ainda não teve resposta.
Segundo a Agência Pública, o grupo de trabalho criado pelo Estado-Maior do Exército tem 12 oficiais e é coordenado pelo general de divisão Jayro Rocha Júnior. O objetivo é levantar ações para aprimorar a capacidade das Operações Especiais, revisando desde a doutrina até o efetivo da unidade.
Especialistas em segurança demonstram ceticismo quanto à eficácia das mudanças. Francisco Teixeira, professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), afirmou à Pública que não acredita em transformações profundas na formação dos “kids pretos”. “Se a doutrina continuar sendo ensinada pelos mesmos oficiais, não vai mudar nada. O correto seria encerrar o batalhão”, opinou.
Histórico de formação gera preocupação, aponta especialista
Ele esclarece ainda que o histórico de formação das Forças Especiais também gera preocupação. Isso porque militares do Copesp costumam ser enviados para cursos nos Estados Unidos, onde são treinados dentro da doutrina de “ameaça interna”, um conceito herdado da Escola das Américas, onde regimes militares latino-americanos foram influenciados a combater supostas “forças subversivas”, como eles geralmente classificam seus opositores.
E o caso de Guilherme Marques Almeida evidencia como essa doutrina foi utilizada no Brasil. Ele foi instrutor na Escola de Operações Psicológicas do Exército Peruano entre 2020 e 2022 e, ao retornar, foi promovido a comandante do 1º Batalhão de Operações Psicológicas, em Goiânia. Foi só em fevereiro de 2024 que ele se tornou alvo da Operação Tempus Veritatis, da PF, quando agentes relatam o desmaio, e acabou removido do comando no mesmo dia, por ordem do comandante do Exército.
O Exército ainda não divulgou informações detalhadas sobre as reformas no Copesp, mas é esperado que o relatório final do Grupo de Trabalho traga diretrizes mais claras sobre o futuro da unidade dos “kids pretos” em Goiânia.
A reportagem tentou localizar a defesa do tenente-coronel Guilherme Marques Almeida, mas ainda não teve êxito. O espaço para manifestação permanece aberto.
Leia mais sobre: Unidade do Exército será reestruturada / Brasil / Goiânia / Política