25 de junho de 2025
Vinicultura • atualizado em 23/04/2025 às 10:04

Do Cerrado para o mundo: A revolução silenciosa dos vinhos goianos

A vitivinicultura goiana já colhe frutos expressivos: são 2,3 mil toneladas de uvas processadas anualmente por 63 produtores, distribuídos em uma área plantada de 120 hectares
Vinícola Monte Castelo, localizada em Jaraguá, Goiás. Foto: Divulgação.
Vinícola Monte Castelo, localizada em Jaraguá, Goiás. Foto: Divulgação.

Durante muito tempo, falar em vinho no Brasil remetia, quase que automaticamente, à Serra Gaúcha ou aos terroirs internacionais da Argentina, Chile, França e Itália. Mas uma revolução silenciosa e elegante vem fermentando em solo goiano. Em um Estado onde, até pouco tempo atrás, a vitivinicultura era vista com desconfiança, hoje surgem projetos robustos, vinhos premiados internacionalmente e iniciativas governamentais de fomento.

Um movimento que une terroir, inovação tecnológica, empreendedorismo e o desejo de criar um produto regional com alto valor agregado. A vitivinicultura goiana já colhe frutos expressivos: são 2,3 mil toneladas de uvas processadas anualmente por 63 produtores, distribuídos em uma área plantada de 120 hectares. Com um rendimento médio de 20.337 kg por hectare, a produção atual é capaz de abastecer o mercado com cerca de 250 mil garrafas de suco e 100 mil garrafas de vinho por ano.

Números que impressionam e indicam que o Cerrado não apenas pode, como já está se tornando uma nova fronteira vinícola no Brasil. “Esses números são uma conquista coletiva. Há dez anos ninguém imaginava que Goiás teria vinho de qualidade premiado fora do país”, diz Thiago Fagury, assessor especial da vice-governadoria e coordenador do grupo de trabalho intersecretarial de apoio à vitivinicultura goiana em entrevista ao Diário de Goiás. “Hoje a realidade é outra. O solo responde, o clima colabora e o produtor está empolgado”.

Thiago Fagury é coordenador do grupo de trabalho intersecretarial de apoio à vitivinicultura goiana. Foto: Reprodução/Redes sociais.

O mapa das vinícolas em Goiás

As vinícolas estão espalhadas por diversos municípios, com destaque para:

  • Rianápolis (Vinícola São Patrício)
  • Jaraguá (Vinícola Monte Castelo)
  • Pirenópolis (Vinícola Assunção)
  • Paraúna (Vinícola Serra das Galés)
  • Cocalzinho de Goiás (Vinícola Pirineus)
  • Ipameri, Alexânia, Cristalina, entre outros

Essa diversidade geográfica mostra a adaptação do cultivo da uva vinífera ao clima e solo do Cerrado, uma conquista da chamada viticultura de inverno, ou dupla poda, técnica que permite colher uvas de alta qualidade mesmo em regiões tropicais.

Carolina Martin, sócia proprietária das vinícolas Monte Castelo e São Patrício conta que os dias secos e as noites frias do inverno goiano oferecem uma condição única para o amadurecimento das uvas. “Durante o inverno, entre maio e julho, temos um clima quase ideal para maturação: dias ensolarados com até 32 °C e noites que chegam a 10 °C. E, o mais importante, sem chuvas.

Lideradas por Carolina e sua família, essas duas propriedades, separadas por apenas 7 km, funcionam de forma complementar. A Vinícola São Patrício, localizada em Rianápolis, abriga a indústria que elabora vinhos tanto da própria marca quanto da Monte Castelo, localizada em Jaraguá.

Em relação aos solos, as duas propriedades possuem solos arenosos com boa drenagem de água. Na Vinícola São Patrício, o solo possui um pouco de argila e gnaisses. Já na Vinícola Monte Castelo, o solo é pedregoso, com pedras de quartzo.

Vinho premiado e fomento governamental

O Monte Castelo Syrah, produzido no Cerrado goiano, vem colecionando prêmios que projetam a vitivinicultura local no cenário internacional. A safra 2022 conquistou a Medalha de Ouro no prestigiado Vinalies Enologues de France, realizado em Cannes em março deste ano, enquanto a safra 2021 já havia sido reconhecida com uma Medalha de Bronze no Decanter World Wine Awards 2023 e um Gran Ouro no Wines of Brazil Awards 2024. Essas premiações confirmam a qualidade dos vinhos de Goiás e fortalecem o novo terroir brasileiro.

A safra 2022 conquistou a Medalha de Ouro no prestigiado Vinalies Enologues de France, realizado em Cannes. Foto: Divulgação.

Para evidenciar ainda mais a vinicultura goiana no Brasil e no mundo, o governo de Goiás tem concentrado esforços na estruturação e apoio ao setor vitivinicultor por meio de um grupo de trabalho intersecretarial que reúne órgãos como a Goiás Turismo, as Secretarias da Retomada, Agricultura, Meio Ambiente, Indústria e Comércio, além da participação ativa dos próprios produtores.

Entre as ações governamentais estão estudos para desonerar a matriz tributária que hoje penaliza os produtores locais frente à concorrência internacional, sobretudo devido aos acordos de importação do Mercosul. Além disso, há incentivo ao desenvolvimento da viticultura de inverno, sistema de cultivo adaptado ao clima do Cerrado com dupla poda, que demanda investimento e pesquisa contínua. Linhas de crédito, apoio à agricultura familiar e incentivo ao enoturismo também estão sendo articulados, com o objetivo de ampliar o mercado consumidor e valorizar a produção local.

Como forma de consolidar o setor, o governo trabalha na criação de um evento anual dedicado exclusivamente ao vinho goiano, reunindo produtores, comerciantes e consumidores em uma feira permanente. Além da comercialização em empórios especializados da capital, o estado aposta na experiência do turismo enogastronômico para promover ainda mais seus vinhos como produtos únicos do Cerrado.

Em entrevista ao editor-chefe do Diário de Goiás, Altair Tavares, o vice-governador de Goiás, Daniel Vilela anunciou que o governo estadual está estruturando um grupo de trabalho para desenvolver uma política pública voltada ao fomento desses setores. “Temos queijarias e vinícolas que já são referência, mas que ainda são mais reconhecidas fora do que dentro de Goiás. Essa realidade precisa mudar”, afirmou.

Daniel Vilela na inauguração do Hospital de Águas Lindas. Foto: Altair Tavares/Diário de Goiás
Daniel Vilela afirma que governo estadual está estruturando um grupo de trabalho para desenvolver uma política pública voltada ao fomento desses setores. Foto: Altair Tavares/Diário de Goiás.

Ele também ressaltou a importância de quebrar o preconceito ainda existente em relação aos produtos brasileiros, sobretudo os vinhos. “O goiano precisa conhecer e valorizar o que é nosso. Estamos produzindo com excelência e precisamos divulgar isso para o Brasil e o mundo”, concluiu.

Quebrando mitos com cada taça

Apesar dos avanços, os vinhos goianos ainda enfrentam a resistência de um público acostumado com rótulos estrangeiros ou do Sul do país. Mas esse paradigma começa a ruir. Em entrevista ao Diário de Goiás, a somellier Emília Almeida conta que o contato que já teve com os vinhos produzidos em Goiás, foi satisfatório. “Alguns com melhor expressão, os vinhos da uva Shiraz tem entregue vinhos aromáticos, fáceis de beber”, afirmou a profissional certificada pela Associação Brasileira de Sommelier (ABS).

A especialista acredita que haja uma grande curiosidade sobre os vinhos de cerrado – inverno. “Inclusive, já existe até uma rota de vinícolas em Goiás. O Enoturismo impulsiona muito a divulgação desses vinhos e uma maior busca por consumir vinhos locais deve ocorrer pontualmente com feiras, visitas e degustações. Até porque a produção desses vinhos é pequena, esses vinhos não vão tão longe.
Existem alguns rótulos em lojas especializadas mas é pequena a oferta”, explicou.

Especialista afirma que a busca dos consumidores por vinhos locais deve ocorrer pontualmente com feiras, visitas e degustações. Foto: Divulgação.

Já Carolina destaca que o consumo de rótulos locais é um desafio cultural. O goiano, e o brasileiro em geral, foi educado a buscar vinho fora. Mas isso está mudando”, observa Carolina. “É um vinho premium não é aquele que você encontra facilmente na prateleira do supermercado, disputando espaço com rótulos de baixo custo-benefício. A ideia é justamente incentivar uma nova cultura entre os brasileiros — e especialmente entre os goianos — para que passem a consumir mais vinho. Afinal, esse ainda não é um hábito tão enraizado na nossa rotina”.

Enoturismo em Goiás

O enoturismo, ou turismo do vinho, é uma experiência que une lazer, cultura e gastronomia em torno do universo da vitivinicultura. Mais do que simplesmente visitar vinícolas, o visitante tem a oportunidade de conhecer todo o processo de produção do vinho — desde o cultivo das uvas até o engarrafamento —, além de apreciar paisagens deslumbrantes dos vinhedos e, claro, degustar rótulos selecionados diretamente da fonte.

Na Vinícola São Patrício, localizada em Goiás, o enoturismo já é uma realidade consolidada. As visitas são abertas ao público, sempre mediante reserva prévia, e acontecem semanalmente de quarta a sábado, oferecendo duas experiências distintas. Às 10h, a “Experiência Cauré” apresenta uma imersão rápida e informativa, com duração aproximada de 60 minutos. Ela inclui a degustação de dois vinhos tintos e uma visita guiada pelas instalações da vinícola, com explicações sobre as etapas da produção.

Vinícola São Patrício fornece visitas abertas ao público, sempre mediante reserva prévia, e acontecem semanalmente de quarta a sábado. Foto: Divulgação.

Para quem busca uma vivência mais completa, a vinícola oferece, às 14h, a “Experiência Udu de Coroa Azul”. “Com cerca de três horas de duração, o tour contempla a degustação de quatro vinhos tintos incluindo dois grandes reservas harmonizados com uma tábua de queijos e salames artesanais, geleia caseira e a tradicional peta de polvilho”, explica Carolina. Além da visita às instalações, os participantes têm acesso aos vinhedos, onde podem vivenciar de perto o terroir goiano e compreender as especificidades da viticultura de inverno praticada na região.

Ambas as experiências proporcionam uma conexão mais íntima com o universo do vinho e reforçam o potencial do Cerrado goiano como destino turístico de excelência. Para mais informações ou para garantir sua reserva, os interessados podem acessar o site oficial da vinícola: www.vinicolasaopatricio.com.br.

Outras vinícolas em Goiás

Nome da VinícolaLocalizaçãoInformações Adicionais
Fazenda Pireneus Vinhos e VinhedosPirenópolisPequena produção de uvas em aproximadamente 5 hectares.
Videira Las NubesAnápolisCultivo de uvas Vitória, Niágara e Isabel. Produz o vinho Duetto Las Nubes.
Vinícola AssunçãoPirenópolisProdução de sucos de uva desde 2013 e vinhos desde 2021.
Vinícola GoiásItaberaíPioneira na produção de uva e suco de uva integral na região.
Vinícola JabuticabalHidrolândiaCultivo de mais de 40 mil pés de jabuticabas e produção de vinhos e pratos especiais.
Vinícola Serra das GalésParaúnaConhecida como o novo ‘Terroir do Cerrado’, produz vinhos de qualidade.
Vinhedo GirassolCocalzinho de GoiásPrincipal uva cultivada é a Syrah; oferece o passeio WINE TOUR.








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