A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) adotou novas linhas para tentar afastar as acusações de que ele participou da organização dos planos golpistas investigados pela Polícia Federal (PF), e uma delas é jogando a responsabilidade para grandes aliados dele nas Forças Armadas, numa estratégia apelidada de “golpe dentro do golpe”. Nessa tese, a defesa busca apontar que militares de alta patente teriam usado a trama não para manter Bolsonaro no poder, mas para traí-lo e assumir o comando do país.
A tese tem gerado reações contrárias entre seus antigos aliados das Forças Armadas, além de levantar debates sobre as evidências reunidas pela PF. Nesse ponto, outra linha de defesa surge no sentido de dizer que Bolsonaro até sabia de planos, mas que ele seria traído. As duas teses ferem, de cara, no mínimo cinco generais de quatro estrelas que foram indiciados, além de vários oficiais de patentes altas.
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De acordo com a Folha de São Paulo, a defesa de Bolsonaro concentra-se em documentos atribuídos ao general Mario Fernandes, militar da reserva que atuou em Goiânia, e é um dos suspeitos de arquitetar o plano. O texto descreve a criação de um “Gabinete Institucional de Gestão de Crise” liderado por militares como os generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto.
Tese é de que gabinete de crise assumiria o poder
Segundo o advogado de Bolsonaro, Paulo Amador da Cunha Bueno, esse gabinete assumiria o controle em caso de sucesso da operação, deixando o ex-presidente fora do poder. “Quem seria beneficiado? Não seria o Bolsonaro, seria aquele grupo”, afirmou Bueno à GloboNews.
Já o jornal O Globo destaca que a estratégia de Bolsonaro tenta desvinculá-lo das acusações ao atribuir a responsabilidade exclusivamente a setores das Forças Armadas, mesmo que ele tenha discutido medidas de exceção, como estado de defesa e artigo 142 da Constituição, com os comandantes militares. A defesa sustenta que Bolsonaro teria sido abordado por propostas golpistas, mas que não aderiu a nenhuma delas. Críticos, no entanto, apontam que o silêncio do ex-presidente diante desses planos pode ser interpretado como conivência.
Repercussão negativa e desconfiança dos militares
A nova narrativa não foi bem recebida entre os militares. Generais como Braga Netto e Augusto Heleno rejeitaram a tese, classificando-a como “absurda” e “fantasiosa”. Em nota, Braga Netto afirmou que manteve lealdade ao ex-presidente até o final do governo e que a tese ignora sua relação de confiança com Bolsonaro.
Segundo a Folha, interlocutores próximos aos generais consideram a estratégia de defesa oportunista, destacando que o ex-presidente teria priorizado sua sobrevivência política em detrimento de antigos aliados.
Além disso, as investigações da PF indicam que o objetivo dos planos golpistas seria justamente manter Bolsonaro no cargo. A minuta do gabinete de crise, descrita nos documentos apreendidos, previa ações como a segurança institucional, a organização de novas eleições e até mesmo a prorrogação de mandatos, cenários que contrariam a narrativa de que o ex-presidente seria traído.
Debate jurídico e a “roupagem constitucional”
Bolsonaro tem buscado justificar as discussões sobre medidas de exceção como opções legítimas dentro da Constituição. Porém, especialistas ouvidos pelos dois jornais apontam que essas alternativas não possuem amparo legal para reverter resultados eleitorais.
André Perecmanis, professor de Direito da PUC-Rio, afirmou ao Globo que a tentativa de usar estados de defesa ou sítio para justificar um golpe seria uma “flagrante ilegalidade”. Segundo ele, tais mecanismos só podem ser empregados em situações muito específicas, como guerra ou calamidades, o que não se aplicava ao contexto eleitoral.
Outro ponto que enfraquece a defesa de Bolsonaro é o envolvimento de militares sem poder de comando nos planos, como destacou o próprio ex-presidente em suas lives. Apesar disso, depoimentos à PF confirmam que Bolsonaro chegou a apresentar um decreto golpista aos comandantes das Forças Armadas, recebendo apoio apenas do chefe da Marinha, Almir Garnier Santos.
Tese do “golpe dentro do golpe” e as repercussões políticas
A tese de um suposto “golpe dentro do golpe” também reacendeu debates sobre a relação entre Bolsonaro e as Forças Armadas, que foram pilares de seu governo. Para aliados de Braga Netto e Heleno, como apontado pela Folha, a nova estratégia expõe uma ruptura de confiança, especialmente porque os dois generais eram figuras centrais na gestão do ex-presidente e demonstraram lealdade ao longo de seu mandato.
No plano político, a tentativa de dissociar Bolsonaro das tramas golpistas enfrenta resistência, já que a PF o aponta como figura central no planejamento. Para o advogado Fabio Tofic, do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, o fato de Bolsonaro não ter denunciado os planos, mesmo que alegue desconhecimento ou discordância, configura, no mínimo, omissão. “Se ele toma conhecimento de que existe uma tentativa de golpe e silencia, no mínimo está sendo conivente”, afirmou ao Globo.
Enquanto a Procuradoria-Geral da República avalia se apresentará uma denúncia formal, a defesa de Bolsonaro segue tentando desmontar as evidências apontadas pela PF. No entanto, a tese do “golpe dentro do golpe” pode ampliar o isolamento político e institucional do ex-presidente que não conta também com o mesmo clamor popular fervoroso a seu favor como havia antes da operação da PF, nem mesmo diante de uma possibilidade crescente de prisão.
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