De olho nas redes sociais, secretário de Políticas Digitais da Presidência da República, João Brant, disse que o governo federal articula reaproximação com o Congresso nas próximas semanas para que o tema da regulação das plataformas digitais volte à agenda dos legisladores. A declaração ocorreu durante uma palestra na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), informou a Agência Brasil neste domingo (13).
No momento, o principal projeto, o PL das Fake News, está travado por falta de acordo, mas a crise de credibilidade nos Estados Unidos estimula a retomada da pauta por conta da ligação íntima entre o governo de Donald Trump e as principais plataformas e redes sociais – ambos são aplicações e canais interligados.
“O governo está terminando de definir sua posição de mérito e de estratégia. Nossa compreensão é que essa regulação precisa equilibrar três coisas: primeiro, a responsabilidade civil das plataformas. Segundo, o que a gente chama de dever de prevenção e precaução, que significa a necessidade de atuar preventivamente para que não haja disseminação de conteúdos ilegais e danosos a indivíduos ou a coletividades. E, terceiro, que elas atuem na mitigação dos riscos sistêmicos da sua atividade”, defendeu Brant.
Principal proposta de regulação das plataformas digitais, o Projeto de Lei 2.630 de 2020, chamado de PL das Fake News, já foi aprovado pelo Senado e está em análise na Câmara dos Deputados. É a falta de um acordo entre congressistas e governo que impede que ele avance desde o ano passado.
Omissão das plataformas é um problema que regulação das redes sociais deve observar
A responsabilização das empresas do setor é um dos pontos críticos da discussão. Atualmente, essas empresas respondem ao Marco Civil da Internet, aprovado em 2014. No seu Artigo 19, a lei diz que as redes sociais só podem ser responsabilizadas por conteúdo ofensivo ou danoso postado por usuários caso descumpram uma ordem judicial de remoção, à exceção de conteúdo sexual não autorizado ou casos que violam direitos autorais.
Dessa forma, na prática, a moderação dos conteúdos cabe às plataformas, que têm políticas próprias para decidir sobre a exclusão de conteúdos violentos ou mentirosos. Mas o que se vê é que isso não funciona de forma eficaz, como ocorre com outras regulações.
O secretário compara, por exemplo, com os marcos que regulam o meio ambiente. “Quando você vai discutir regulação ambiental, por exemplo, o tempo inteiro você olha para os riscos sistêmicos, aqueles riscos que são inerentes à atividade, que afetam direitos fundamentais ou outros marcos legais relevantes. E é preciso mitigar esses efeitos, impor responsabilidades e custos. E o que a gente tem é uma distorção do ambiente digital, sem que as plataformas assumam qualquer responsabilidade”, argumentou Brant.
Algoritmo favorece lucro com conteúdo abusivo, alerta especialista
Enquanto a questão não é resolvida no âmbito do Congresso, o uso das redes sociais para cometer crimes e as denúncias de violências cometidas contra crianças e adolescentes utilizando meios digitais, reacendem a discussão sobre a regulação das chamadas big techs, as empresas que controlam essas plataformas.
Conforme cita ainda a Agência Brasil, o coordenador do Centro de Referência para o Ensino do Combate à Desinformação da Universidade Federal Fluminense, Afonso Albuquerque, concorda que a regulação das redes se tornou uma questão fundamental. O especialista alerta, por exemplo, para a questão da monetização de conteúdos impróprios através do algoritmo.
Para ele, é preciso mais do que responsabilizar as plataformas por esses conteúdos. “É preciso ter regras relativas ao financiamento dessas plataformas que, de alguma forma, estabeleçam princípios de transparência algorítmica. Nós temos um agente que tem uma capacidade imensa de intervir nos debates nacionais e, hoje, efetivamente, nós operamos no terreno da mais pura ilegalidade”, cita Albuquerque.
Situação inesperada nos EUA pode favorecer regulação
Apesar disso, ele não vê um cenário favorável a essa discussão no Congresso Nacional, a princípio. Por outro lado, ele avalia que uma ajuda indireta, disruptiva e inusitada pode vir dos efeitos de medidas do presidente Donald Trump, nos Estados Unidos. Isso face à instabilidade causada pelas medidas econômicas que ele impôs e que quebraram a aliança das plataformas com o governo, agora em cheque, e instauraram momentos caóticos na esfera digital também.
“Nós estamos vivendo um momento muito caótico, no qual não é possível fazer análises muito claras. Algumas semanas atrás, nós tínhamos uma situação de fechamento das plataformas com os interesses do governo Trump. Mas, agora que as tarifas estão afetando o bolso dos bilionários que apoiaram o Trump, esse não é um cenário tão transparente assim”.
Afonso Albuquerque observa que as ações de Donald Trump também têm colocado os Estados Unidos em oposição a muitos países. Isso, analisa ele, incita em muitos deles a necessidade de defender sua soberania em diversos campos, inclusive contra a influência das plataformas digitais americanas.
“Ele [Trump] e os personagens envolvidos, particularmente o Elon Musk, mas o [Mark] Zuckerberg também, demonstraram pouca sutileza no seu interesse de intervir em assuntos internos de outros países, particularmente do Brasil. E, ao fazer isso, eles levantam a agenda da soberania. Eu acho que essa ameaça está presente desde que as plataformas existem, mas o comportamento agressivo dos integrantes do governo Trump, particularmente sua aliança com os setores da extrema-direita anti-institucional do Brasil, tornam muito visível essa ameaça”, avalia ainda.
Episódio do STF contra rede X hoje tem maior relevância, avalia secretário
Na mesma linha, o Secretário de Políticas Digitais da Presidência da República, João Brant, acrescenta ainda que os resultados dos embates entre Musk e o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil criaram um precedente positivo não só para o Brasil: “É um momento em que se testa, se esgarça essa relação com os estados nacionais. O mundo inteiro fica olhando para ver o que o Brasil vai fazer, e o Brasil toma uma decisão de suspender o serviço enquanto não cumprisse as ordens judiciais”, afirmou. Ele fazia referência à suspensão da plataforma X no Brasil pelo STF.
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Para Brant, o melhor desse episódio foi ele terminar com Musk tendo que sucumbir ao Estado brasileiro, obrigado a cumprir as regras para voltar ao ar. “Eu diria que ali foi um momento de virada em que vários países entenderam que a gente não pode lidar com naturalidade com o fato de que eles escolhem quais regras vão cumprir”, observou.
Proteção de crianças e contra golpes
Brant também acredita que duas situações frequentes podem contribuir para que a população pressione os legisladores em direção à regulação das plataformas e redes sociais. Uma delas, cita, é “a própria proteção de crianças e adolescentes, que eu acho que é um tema chave, em que fica mais explícito o problema”.
A outra situação, diz ele, é a quantidade de golpes e fraudes no ambiente digital. “Uma parte das plataformas é inclusive sócia desses golpes, porque recebe dinheiro para veicular conteúdo fraudulento”, acusa o secretário.
Outro a avaliar o cenário foi o coordenador do Centro de Referência para o Ensino do Combate à Desinformação da UFF, Afonso Albuquerque. De sua parte ele defende que “é preciso ir além das regulações nacionais, com a criação de mecanismos transnacionais pactuados e instituições de governança que estabeleçam e fiscalizem o cumprimento de regras globais”.
Com informações da Agência Brasil!
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