28 de novembro de 2023
Publicado em • atualizado em 30/05/2023 às 18:03

O Trem de Ferro como opção de lazer

Estação de ferro em Vianópolis (Foto: Divulgação)
Estação de ferro em Vianópolis (Foto: Divulgação)

Nas cidades do interior, as opções de lazer nunca foram lá muito satisfatórias, tanto nos tempos mais longínquos quanto nos dias atuais, com raríssimas exceções. A população sempre se ressentiu de melhores oportunidades de divertimentos, não só para os jovens, como também para as crianças, os adultos, as famílias e os da terceira idade. E quando não se tem muita escolha, contenta-se com o melhor ou com o menos ruim do que é colocado à disposição dos populares. 

Em Goiás, na região da estrada de ferro, por exemplo, um dos pontos mais atrati-vos que havia no passado era a estação ferroviária, nos horários de paradas do trem passageiro. Aproximando-se a hora marcada, o povo andava apressado e encaminhava-se para a estação, a fim de ver o trem e as caras novas que viajavam confortavelmente nas poltronas duras dos vagões.

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As estações ferroviárias se prestavam ainda a outros palcos que não guardavam nenhuma afinidade com os meios de transporte. Para quem viveu essa realidade, numa das cidades agraciadas com o transporte ferroviário, eram inevitáveis as lembranças dos finais de semana, que se faziam festivos, notadamente quando comparecia o Sr. Orlando Preto, como era popularmente conhecido na minha região, ex-ferroviário e sanfoneiro dos mais ilustres, e punha-se a alegrar o público com as mais variadas músicas, dentre elas Saudades de Matão e Saudades de Ouro Preto. A última melodia, inclusive, sempre era tocada quando ali chegava o Sr. Euzébio de Oliveira, pessoa muito querida e respeitada. 


O único colégio da cidade distava mais ou menos cem metros da Estação. E justo na hora do recreio, o “P” apitava ainda distante, mas já se apresentando na reta de chegada, aguçando a expectativa de todos. 

Nisso, toda aquela renca de jovens estudantes saía em numa correria danada, muitos tropeçavam e caíam, o que era motivo de risos e de farra para os mais espertos, e ganhavam rapidinho a área plana alteada e concretada que dava acesso ao embarque dos passageiros. Como conter a fúria de mais ou menos uma centena de adolescentes ávidos por um divertimento qualquer, já que a cidade não oferecia nada parecido?

Depois que o trem apontava lá longe, livrando-se da curva, apresentava-se de maneira arrogante, prepotente, repicando seu sibilo e diminuindo cada vez mais a velocidade, à medida que se aproximava de sua parada obrigatória.

Coitado do chefe da estação! Ele era tomado por enorme preocupação nesses momentos da chegada do “trem passageiro”. O trem de carga já não chamava a atenção de ninguém, a não ser para proporcionar a curiosidade de ficar distantes contando os vagões que acompanhavam a locomotiva: 38, 39, 40… 

Pessoas vinham dos diversos cantos, na hora certa, só para ver o trem. E os jovens estudantes ali, assiduamente, correndo para lá e para cá, na plataforma, para desespero dos responsáveis pela segurança do local e para desgosto e agonia da direção da escola.

Por sua vez, a direção da escola lançava proibição verbal, esbravejava, punia através de castigos severos e diversificados, aplicava suspensão, chamava os pais… Entretanto, de nada valia o esforço. Era só descuidar um pouquinho e a turma saía correndo em direção à estação.

A escola não se fazia cercar-se de muro nem nada. Não comparando mal, parecia uma boiada em disparada. Bastava o primeiro puxar a fila que os outros se achavam no direito de acompanhá-lo. Incontrolável o tumulto.

Um pouquinho da história…

Segundo dados dos mais ilustres historiadores, no ano de 1896 os trilhos da Estrada de Ferro Mogiana chegaram à cidade de Araguari, no Triângulo Mineiro. Posteriormente, o Governo Federal baixou o Decreto nº5.394, de 18 de outubro de 1904, determinando que o seu ponto inicial viria a ser a Estrada de Ferro Goiás, na cidade de Araguari, e o seu terminal, a capital de Goiás, distante cerca de 480 quilômetros. A estrada foi criada pelo Decreto nº5.949, de 3 de março de 1906, do então presidente Rodrigues Alves.

Assim, a Estrada de Ferro Goiás saíra lentamente de Araguari, Minas Gerais, e em seu primeiro trecho chegou à ponte do Rio Paranaíba, na divisa dos Estados de Minas Gerais e Goiás, no ano de 1911, prosseguindo até a estação denominada Roncador, em Pires do Rio, inaugurada em 1914. Foi um passo gigantesco para fomentar o progresso da região, pois viabilizava a comercialização dos diversos produtos de consumo vindos especialmente de São Paulo, para abastecer as inúmeras cidades que se formavam a custas da exploração aurícula já em extinção. 

No entanto, a partir da inauguração da estação de Roncador, houve grande paralização e demora no prosseguimento dos trabalhos de construção da ferrovia. E só após fortes ingerências políticas foi que o projeto retomou o seu curso, chegando a Goiânia no ano de 1950. E alguns anos mais tarde, a linha foi prolongada em dois quilômetros, até Campinas, parando em seguida. 

Com a entrada em operação da linha para Brasília, a partir da estação de Roncador, o trecho até Goiânia perdeu em importância. Hoje, boa parte da linha está em operação para trens cargueiros: trens de passageiros acabaram nos anos 1980.

Elson Oliveira

Elson Gonçalves de Oliveira foi professor de Língua Portuguesa, é advogado militante e escritor, com vários livros publicados.