Desde a gestão do ex-prefeito de Goiânia, Darci Accorsi tem sido divulgado de forma repetitiva que novos projetos poderiam reformular e criar alternativas para o “rico lixo de capital”. A gestão da prefeitura de Goiânia, entre 1993 e 1996, implantou o atual aterro sanitário da capital que, à época, seria uma solução para o lixo da cidade por 50 anos. Não chegou a tanto. A cidade conviveu, efetivamente, com um lixo que nunca chegou a adotar as tecnologias faladas ao longo do tempo. Agora, a bola do lixo está com o prefeito de Goiânia, Sandro Mabel (UB), que promete uma solução definitiva e é uma esperança para a cidade.
Na tarde de sábado, 19/04/25, falando ao Diário de Goiás direto da Itália o administrador exibia, empolgado, as tecnologias e a estrutura vistas na empresa AMSA, que cuida do lixo de Milão e outras cidades. (Abaixo, confira a reprodução da entrevista). A empresa é literalmente, uma indústria de processamento do lixo coletado nas casas com tecnologia que explora a riqueza que circula entre as casas e o local e a empresa.
Mabel exibia, com especial animação, que é possível fazer uma licitação internacional para que Goiânia esteja aberta a novas tecnologias de gestão do lixo que sejam ambientalmente coerentes com os tempos atuais e não um lixão como temos hoje.
Os ex-prefeitos de Goiânia receberam, com frequência, empresas interessadas em atuar na área, mas nenhum levou o assunto para a dimensão que ele tem para a cidade. Ademais, não é um projeto para uma gestão. Nem Nion Albernaz, que no máximo terceirizou a coleta do lixo para a Enterpa (Depois Qualix). Nem Pedro Wilson que iniciou o projeto Macambira-Anicuns, mas não resolveu a situação do lixo. Paulo Garcia (PT) conviveu e foi atingido pelas crises na coleta e na gestão da COMURG. Rogério Cruz também sofreu o mesmo que o petista.
Por último, e por três gestões, Iris Rezende (MDB) que nunca abriu espaço para um projeto que desse o devido tratamento ao lixo da cidade. Literalmente, não era um dos assuntos que ele demonstrasse empolgação, mas no meio da crise da coleta limitou-se a comprar uns 70 caminhões. Não foi uma gestão de grandes projetos e, a história está aí, na área ambiental não foi um forte incentivador do Macambira-Anicuns.
Agora, o que é esperado de Sandro Mabel é que tome a iniciativa de desenvolver o projeto que Goiânia merece para o lixo. Na entrevista, o prefeito demonstrou vontade. Ao jeito dele, gosta de tomar grandes desafios. E este não é para apenas uma gestão. A solução exige uma visão do tipo “pensar grande”. E, Mabel tem esse estilo.
ENTREVISTA / SANDRO MABEL – PREFEITO DE GOIÂNIA
Altair Tavares: Prefeito, dentro da visita que o senhor fez para entender como se aproveita o lixo em larga escala, como é feito nessa empresa, o que é possível implementar em Goiânia?
Sandro Mabel: Eu vejo como uma grande evolução. Essa empresa que visitamos aqui em Milão é uma referência. Eles ( AMSA – Empresa Milanesa de Serviços Ambientais) coletam todo o lixo da cidade e também da região metropolitana.
Eles têm um número de caminhões compactadores muito superior ao que temos em Goiânia, mesmo sendo cidades de tamanhos semelhantes. A tecnologia de recuperação que eles utilizam permite o aproveitamento de 100% do lixo. Ou seja, nada vai para aterro — aqui não existe aterro sanitário.
Eles conseguem reciclar 67% de todo o material recolhido. O restante, que não é reciclável, é incinerado para geração de energia, o que representa uma fonte importante de receita para a empresa. E essa queima é feita com tratamento adequado, sem poluir o ar. Então, aqui o conceito é de “lixo zero” — todos os dias eles eliminam completamente os resíduos.
Essa é a visão que estamos perseguindo em Goiânia. Já recebemos três ou quatro propostas de empresas, inclusive de duas com quem tivemos reuniões: uma coreana e outra que tem participação de uma empresa do Ceará. Pedimos a elas que não apenas tratem o lixo recolhido diariamente, mas também que retirem entre 10% e 20% do lixo que hoje está depositado no aterro, para também processá-lo.
Se recolhemos, por exemplo, mil toneladas por dia, essas empresas poderiam retirar outras 100 a 200 toneladas do aterro existente, reduzindo gradativamente esse passivo ambiental. Com o passar dos anos, o aterro seria completamente desativado. Não precisaríamos mais gastar com sua manutenção pelos próximos 25 anos.
A ideia é que, a partir da implantação desse modelo, Goiânia caminhe para o “lixo zero” e o “aterro zero”. Ou seja, não teremos mais aterro na cidade — o lixo será totalmente reaproveitado.
Altair Tavares: E o caminho para chegar a esse modelo seria por meio de uma licitação internacional para concessão do tratamento do lixo?
Sandro Mabel: Isso, mais ou menos é por aí. Primeiro, é preciso fazer uma modelagem desse processo. Mas, de forma geral, sim — seria uma licitação internacional para que empresas interessadas possam apresentar seus projetos. A prefeitura faz um termo de referência com base em uma tecnologia que esteja disponível para mais de três ou quatro empresas — não pode ser algo que só uma empresa tenha — justamente para permitir concorrência e obter a melhor oferta possível.
Só para você ter uma ideia: aqui em Milão, a empresa responsável pela gestão de resíduos é municipal. A prefeitura detém 50,2% das ações, e o restante é negociado em bolsa. No ano passado, essa empresa teve um lucro de 800 milhões de euros.
A coleta de resíduos aqui não se limita ao lixo comum. Eles recolhem restos de poda de árvores, madeira, móveis e muitos outros materiais. E conseguem transformar tudo isso — além de eliminar os custos para a prefeitura, ainda geram lucro. Como eu disse, 800 milhões de euros por ano. É um modelo muito bem estruturado.
Claro que tudo isso envolve o pagamento de uma taxa pelo contribuinte. Hoje, a taxa de lixo em Milão é cerca de sete a oito vezes maior do que a menor tarifa que temos no Brasil. Além disso, eles têm um sistema de cobrança embutido em diversos produtos: por exemplo, ao importar um controle remoto, já estão incluídos alguns centavos de euro que a empresa vendedora tem que repassar ao município, como forma de custear o descarte e o tratamento adequado daquele item.
Aqui, todo o lixo recebe a destinação correta: eletrônicos, geladeiras, móveis, madeira — tudo. Então, quando alguém compra qualquer produto no supermercado, o custo do descarte já está embutido no preço.
Essa ideia de logística reversa que temos no Brasil funciona de forma diferente aqui. Em vez de esperar que o fabricante recolha o item depois do uso, a própria empresa pública de resíduos já faz todo o processo de aproveitamento e destinação — seja reciclando, seja incinerando.
Hoje, cerca de 67% de todo o material é reciclado. Os outros 33% viram energia.
Altair Tavares: Outros prefeitos também receberam propostas, fizeram visitas e ouviram ideias para reorganizar a situação do lixo em Goiânia, certo? Alguns nem deram atenção — opinião minha, inclusive —, houve resistência. O senhor acredita que conseguirá superar essa barreira, essa resistência, ou até mesmo o gigantismo desse projeto?
Sandro Mabel: Sim, acredito que sim. Na verdade, todos esses projetos não envolvem recursos do município. A empresa que entra no processo é quem faz o investimento. Agora, isso não quer dizer que não exista custo — alguém paga por isso. Aqui, por exemplo, tudo funciona por meio de taxa. Essa taxa é repassada à empresa responsável pela coleta e pelo aproveitamento dos resíduos.
Ela recebe por esse serviço e também consegue gerar receita com a venda dos materiais recicláveis. As usinas que eles possuem aqui, só para você ter uma ideia, processam 24 tipos diferentes de plásticos — ou polímeros, como eles chamam. O PET é processado em uma usina, o PVC em outra, o polietileno em outra, o polipropileno em outra, e assim por diante.
Inclusive, o custo da embalagem influencia nesse processo. Quando uma empresa vende um produto com embalagem multicamadas — como o tetrapak, por exemplo, que tem cinco ou seis camadas —, ela paga mais caro, justamente porque esse tipo de embalagem é mais difícil de reciclar.
Eles estão nos enviando todo o material técnico, inclusive as campanhas educativas que fazem, porque aqui há um trabalho muito forte de conscientização da população. As pessoas já separam o lixo em seis tipos diferentes dentro de casa.
Os caminhões passam duas vezes por semana: em um dia recolhem o lixo orgânico, no outro, os recicláveis, divididos em categorias. Por exemplo, em um dia recolhem papel, vidro e latas; no outro, plástico e outros materiais. Quando o caminhão chega à central, já descarrega diretamente nas baias específicas — o vidro vai direto para o caminhão que o leva à fábrica responsável pelo processamento.
É um sistema muito bem organizado, realmente impressionante. Eles estão nos enviando tudo — desde a regulamentação até como a empresa foi constituída. Essa empresa já tem 15 anos de atuação.
Essas visitas ao exterior são importantes por isso: voltamos com muito material que nos ajuda a tomar decisões.
A gestão do Sandro Mabel vai resolver a questão do lixo em Goiânia. O que não foi feito no passado, nós vamos fazer agora. Vamos acabar com o aterro sanitário e transformar Goiânia em uma cidade lixo zero.
Vamos atrair investidores — eles existem — e implantar esse modelo. Agora, claro, isso não se faz da noite para o dia. É um processo. Mas é totalmente possível e atrativo. No mundo, há empresas interessadas em projetos assim.
Vamos trabalhar com força nesse tema. Até o fim deste ano, vamos resolver a situação do atual aterro. Vamos dar viabilidade a ele, acabar com o lixão que existe hoje.
Já assumimos as balanças, já instalamos novas balanças para controle do lixo. O senador Vanderlan destinou 14 milhões de reais em máquinas especializadas. Os tratores de esteira, por exemplo, são próprios para operação em depósitos de lixo. Também recebemos caminhões e três pás carregadeiras grandes, que estão nos ajudando.
Estamos organizando o depósito para que ele funcione como um verdadeiro aterro sanitário, e não como um lixão. Dentro disso, temos a proposta de deixar de enviar lixo para esse local, conforme avançarmos na instalação das unidades de reciclagem.
Vamos acelerar muito essa parte. Hoje reciclamos apenas 3%. Aqui em Milão, são 67%. Veja a diferença. Todo esse material que poderia ser reaproveitado, e que hoje vai para o aterro, pode ser retirado desse ciclo.
Também vamos tirar os RCCs — resíduos da construção civil — que estão misturados no aterro, e transferi-los para uma área própria.
Há várias mudanças previstas na gestão dos resíduos em Goiânia. E a principal conclusão que tiramos aqui é: o lixo pode ser fonte de receita, e o município pode se livrar desse problema.
Altair Tavares

Editor e administrador do Diário de Goiás. Repórter e comentarista de política e vários outros assuntos. Pós-graduado em Administração Estratégica de Marketing e em Cinema. Professor da área de comunicação. Para contato: [email protected] .