13 de outubro de 2024
Publicado em • atualizado em 13/09/2024 às 16:11

No abismo do medo

A água gelada inibia um pouco da vontade de mergulhar. Da cintura para cima, tremia o corpo igual vara verde, como dizia minha avó. Logo eu, que bato queixo tomando sorvete em dia de calor, inventei de querer estar em cachoeira de água congelante, só porque me parecia linda.

Linda sim, e traiçoeira também. Abaixo das águas geladas, pedras escorregadias e afiadas. Se não nada, pois então vai escorregar e molhar o corpo sem querer. Molhou o pezinho, trate logo de aprumar o corpo todo, porque o restante vai molhar também, quer queira ou não.

Nessas, entre uma escorregada e outra, entrei. E molhei o corpo todo que era pro frio passar logo. No primeiro dia, só da cintura pra baixo, sentada numa beirinha de pedra, tremendo até a alma, mas no sol, para manter a pose e dizer que ao menos senti a água da cachoeira passar por mim.

No segundo dia, dei uma pequena mergulhada, para molhar o cabelo e quebrar o gelo da água fria no corpo logo de uma vez. No terceiro e último, tomei coragem para nadar cachorrinho de uma pedra a outra, tentando não prestar atenção no abismo que pairava sob meus pés.

Entre uma pedra e outra há muito espaço. Uma imensidão escura onde o sol não bate. Ali mora o medo. Medo esse que me fez não aproveitar as belezas da Chapada dos Veadeiros durante três dias inteiros. “Você não nada?”. Aí é que está! Eu não sei se nado ou não, porque mesmo tendo feito aulas de natação na infância, durante a vida toda evitei andar por onde não me dava pé.

O medo me fez acreditar que eu não conseguiria. Tanto que jamais fui capaz de tentar. Vai que numa dessas eu vou e não volto mais?! Melhor evitar transtornos. E é assim, evitando passar pelo medo que a gente se impede de viver, e, superá-lo. Só no último dia fui perceber que nadando cachorrinho, no abismo entre as profundezas de uma pedra e outra, eu não sentia frio.

Luana Cardoso Mendonça

Jornalista em formação pela FIC/UFG, Bióloga graduada pelo ICB/UFG, escritora e eterna curiosa. Compartilho um pouco do mundo que eu vejo, ouço e vivo, em forma de palavras, afinal, boas histórias merecem ser contadas