12 de maio de 2025
FRAGILIDADE EXPOSTA • atualizado em 26/04/2025 às 08:42

Caso da oficial de Justiça filmada ao intimar Bolsonaro expõe assédio e violência à classe pelo acirramento político contra Judiciário

Presidente do Sindicato frisa que oficial de Justiça é o braço mais exposto do Judiciário e reclama do aumento de agressões à classe
Filmagem expondo oficial de Justiça despertou reações em contexto de ataques à categoria - Foto: reprodução / redes sociais
Filmagem expondo oficial de Justiça despertou reações em contexto de ataques à categoria - Foto: reprodução / redes sociais

O episódio da oficial de Justiça filmada enquanto entregava intimação ao ex-presidente Jair Bolsonaro no hospital, em Brasília, esta semana, desperta reações na categoria por se somar a outras pressões e constrangimentos a esses profissionais do Poder Judiciário. Em Goiás, o presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça do estado, Eleandro Alves, enfatizou esta semana em entrevista ao Diário de Goiás, que a colega cumpria o dever dela e não deveria ter sido exposta.

Ele lamentou o aumento nos casos de agressões à categoria. Buscando afastar o notório ingrediente político-ideológico relacionado ao episódio específico de Brasília, Eleandro avalia que o Judiciário está sob ataque não é de agora, e seu braço mais exposto é o oficial de Justiça.

O Dossiê de Crimes Cometidos Contra Oficiais de Justiça no Cumprimento de Ordens Judiciais, publicado no ano passado pela Associação dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais de Goiás (Assojaf), confirma com dados sobre a atuação em âmbito da Justiça Federal, o que diz o sindicalista.

A publicação revela que, entre 2000 e agosto de 2024, foram registradas 213 situações de violência praticadas contra oficiais de Justiça em estados das cinco regiões do Brasil. Segundo o documento, isso representa um aumento de cerca de 30,3% dos casos desde 2017.

Ocorrências contra a categoria se espalham no país

No Dossiê, Goiás apareceu em 4º no número de ocorrências, junto com o Rio Grande do Sul, os dois com 10 registros de violência contra oficiais de Justiça, contra 55 de São Paulo, 21 em Minas, 15 no Rio de Janeiro e 14 no Paraná. Pelo país, foram registrados, no período do levantamento, 57 Homicídios e tentativas de homicídios, e 58 agressões, entre outros tipos de violência.

“É preciso que todos entendam que nós, servidores, não somos os juízes, não somos os julgadores, nós, servidores, estamos ali para dar cumprimento a uma ordem. E esse cumprimento da ordem não pode ser hostilizado, não pode ser maltratado sob pena de você pessoalizar. De repente você tem a imagem de uma servidora que foi cumprir uma ordem judicial, percorrendo todo o Brasil como se a figura daquele profissional estivesse fazendo algo errado”, alerta.

Eleandro Alves Almeida presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça comenta cenário de pressão e agressões – Foto: divulgação

O presidente do Sindicato explicou que as condições para a realização do serviço por um oficial de Justiça quando ele não encontra a pessoa intimada em sua residência nos horários autorizados, estão previstas nos códigos de Processo que direcionam as atividades jurídicas. Ou seja, quando alguém foge disso, há contestações cabíveis dentro da própria Justiça, mas a exposição do servidor não é uma forma plausível de reação.

O que pode ou não fazer um Oficial de Justiça

“O rito, o papel e o trabalho dos oficiais e das oficialas de Justiça está bem claro nos códigos. Seja ele o de Processo Civil ou o Código de Processo Penal”, destaca Eleandro. Segundo ele, por isso mesmo, os limites de atuação, do que pode ou não fazer um oficial de Justiça, são muito claros.

É o caso da limitação dos atos e comunicações a serem entregues. “Nós temos os dias úteis, das seis da manhã às 20 horas, em que o oficial de Justiça pode fazer essas comunicações, diligenciar até o endereço do citado, do intimado e fazer isso. Esse arcabouço de limitação está no código. Os horários, os dias úteis, das seis da manhã às 20 horas, são regra absoluta”, indica.

Para Eleandro, além de cumprir determinações superiores, a profissional filmada em Brasília se ateve à função de oficial de Justiça que está prevista nessas normas – considerando que, apesar de internado, o ex-presidente esteve na transmissão de uma live, portanto com condições de ser intimado.

“A própria lei processual determina os casos em que as excepcionalidades têm que ser atendidas, ou muitas das vezes os casos em que o oficial de Justiça deve evitar cumprir o ato”, frisou. Esses casos envolvem pessoas incapazes de serem notificadas, como inconscientes, por exemplo. “Obviamente que uma pessoa que está na UTI, em estado grave, não pode receber um ato de comunicação”, destacou.

Nas situações que possam aparentar que houve extrapolação de um oficial de Justiça ao se apresentar, lembra ele, a parte citada pode fazer essas alegações no próprio processo. Por isso mesmo, enfatiza, não cabem reações como algumas que têm sido registradas contra a atuação dos oficiais de Justiça.

Reação nacional

Um exemplo foi exatamente a filmagem da oficial realizada quando ela notificou Bolsonaro no hospital, e que foi compartilhada. O ato foi criticado por organizações da categoria que viram constrangimento à colega. Em nota, o Sindicato Nacional dos Oficiais de Justiça Federais e a Associação Nacional União dos Oficiais de Justiça do Brasil apontaram “sensacionalismo” da equipe do ex-presidente que compartilhou o vídeo.

Esse clima de rejeição e exposição, observa ainda, reflete no cotidiano, no cumprimento das ordens “sob a perspectiva de não ter uma tranquilidade, de ter violência. Então, isso é uma coisa que preocupa nós, oficiais de Justiça”.

Socos em ameaças contra Oficiais de Justiça

A preocupação é justa. Este ano, a Federação das Entidades Sindicais dos Oficiais de Justiça (Fesojus) denunciou dois casos graves no Espírito Santo e em Minas Gerais. Em ambos, duas oficiais foram agredidas física e moralmente.

No primeiro, para evitar a apreensão de um veículo em Guarapari, um homem e seus familiares prensaram a oficial contra o veículo dela até que ele fugisse antes da chegada de uma equipe da Policia Militar. Além da tentativa de homicídio, a servidora também foi vítima de ofensas verbais.

No segundo caso, um policial militar deu uma cabeçada no nariz e um soco na boca de outra oficial, em Ibirité, no interior mineiro. Ela tentava intimar o enteado do PM. O fato ocorreu em 8 de março, Dia Internacional da Mulher. O militar foi preso em flagrante depois de agredir os próprios colegas de farda.

Exemplo de autoridades agrava situação

Segundo Eleandro, as dificuldades da categoria têm sido cada dia maiores e a situação vivida pela colega em Brasília foi mais uma a chamar a atenção. “Estamos vendo agressões de autoridades contra oficiais de Justiça e elas assim dão o exemplo para outras pessoas”. Em seguida, ele lembrou o nariz quebrado da colega mineira.

Sobre o episódio de Minas Gerais, por exemplo, Eleandro enfatiza que não foi isolado e que o fato acende a luz de alerta por ter sido praticado por um agente da Segurança, contra um agente da Justiça. “São casos de violência mesmo, vinda de um agente público, tanto quanto ela. Ele simplesmente optou por agredi-la fisicamente, quando ela estava cumprindo uma ordem judicial. E isso teve uma repercussão”, observa. Essa repercussão, avalia também, pode tornar natural para pessoas comuns a recusa de receber os oficiais de Justiça ou agredir os profissionais.

Conforme o presidente do Sindicato, o fato de haver exigência na formação de Direito para ser aprovado no concurso para oficial de justiça em Goiás tem sido um importante requisito para a qualificação da categoria logo na chegada. Mas, segundo ele, o desafio maior está no treinamento, na formação para esses profissionais enfrentarem as situações impostas pelo exercício da atividade. O principal exemplo está na resistência de muitas pessoas em receber um oficial ou cumprir uma ordem judicial.

“Quando uma figura pública de grande conhecimento resiste, isso pode refletir em qualquer pessoa que, por uma indução psicológica ou sociológica pode achar que talvez [também] possa rejeitar um cumprimento de uma ordem, possa não receber um oficial de Justiça, possa agredir o oficial de Justiça”, avalia.

A consequência, revela Eleandro, é que “hoje temos um aumento muito grande de violência contra os oficiais e oficialas de Justiça no cumprimento de ordens, ordens de proscrição [condenação], busca e apreensão”.


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