O plenário da Câmara dos Deputados aprovou na noite de quarta-feira (7) a sustação na íntegra da ação penal contra o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), apontado como um dos integrantes do núcleo principal da trama de tentativa de golpe de Estado. Foram 315 votos a favor, quatro abstenções e 143 votos contrários ao pedido protocolado pelo PL, partido de Ramagem e Bolsonaro.
Além de Ramagem, o texto do relator, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), incluiu o ex-presidente Jair Bolsonaro, ex-ministros e militares como beneficiados.
Antes, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara já tinha aprovado o projeto, por 44 votos favoráveis e 18 contrários. O projeto de resolução buscava suspender a íntegra da ação penal contra o núcleo principal da trama golpista denunciada no Supremo Tribunal Federal (STF),
Ramagem é o argumento principal para a medida. O artigo 53 da Constituição permite que a Câmara suspenda ações penais contra deputados por atos cometidos durante o mandato. Com essa justificativa, Alfredo Gaspar, pediu a suspensão de toda ação penal, beneficiando Bolsonaro e outros sete aliados, mesmo eles não tendo mandatos, como é o caso de Ramagem.
Conforme a Agência Brasil, esta foi a primeira vez que o parlamento debateu e votou a sustação de um processo contra um parlamentar. “Pelo texto constitucional, o pedido de sustação deverá ser votado pela Casa respectiva ‘no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora’”, informou a agência.
Hugo Motta surpreendeu governistas com votação
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos), incluiu, de forma intempestiva, a votação do pedido no plenário pouco depois de a proposta ter sido aprovada pela CCJ.
Ao anunciar a inclusão da proposta, Motta disse que o procedimento passaria por uma espécie de “rito sumário”, com votação por maioria absoluta, mínimo de 257 votos favoráveis. A sustação foi o primeiro item a ser votado.
Motta impede discussão do texto
Ele também ordenou que não haveria discussão do tema pelos membros da Casa, com a justificativa de que haveria um curto prazo para a deliberação da matéria, com a palavra franqueada apenas ao relator da matéria na CCJ e a Alexandre Ramagem, que optou por não se pronunciar – ele já havia falado na CCJ (leia abaixo).
O chamado núcleo 1 da trama golpista inclui ainda os generais Paulo Sérgio Nogueira, Walter Braga Netto e Augusto Heleno, além do ex-comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier, e do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres.
Reações à manobra
Diversos deputados criticaram a atitude do presidente, apontando que seria uma manobra para impossibilitar o debate do tema.
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) argumentou, em uma questão de ordem, que a determinação impedia rever pontos do relatório aprovado na CCJ, em especial sobre a imunidade para os réus sem prerrogativa de foro.
“A CCJ deveria afirmar que a sustação que vai ser analisada por esse plenário deveria ser aplicada apenas ao deputado Ramagem, já que a imunidade é do parlamentar. A leitura do parecer do relator mostra uma tentativa de estabelecer bases para uma trama que suspenderia toda uma ação penal que incluiria 34 réus no Supremo Tribunal Federal. Isso amplia o alcance da imunidade para além do parlamentar”, disse.
O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) alegou que o “deputado Ramagem virou um guarda-chuva por esse projeto para outros que não tem imunidade parlamentar, como o ex-presidente Bolsonaro”.
“Eu entendo que queriam defender aqui o Ramagem, mas trancar ação de um julgamento que ainda nem começou é claramente inconstitucional”, apontou o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), citando jurisprudência da Corte que diz que a prerrogativa parlamentar não se estende a outros réus sem foro parlamentar.
Motta respondeu que, como presidente da Câmara, “recolhe a questão de ordem e responderá no momento em que achar necessário”. Em seguida, passou a palavra ao relator.
Interpretação da Constituição
Na avaliação do relator, o texto da Constituição pode abranger os demais corréus, uma vez que o artigo fala em sustação da “ação”.
“Quem resolveu colocar Ramagem e os demais numa denúncia foi o Ministério Público e o STF. A Primeira Turma [do STF] acolheu a denúncia contra todos os denunciados e colocou no mesmo vagão,” disse o relator Alfredo Gaspar.
Durante a votação, deputados dos partidos contrários ao pedido de sustação (PT, PSOL, PSB, PDT, Rede, PSOL e PCdoB) gritaram palavras como “sem anistia”.
O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) classificou a iniciativa como uma manobra para proteger os demais réus na ação. Ele reiterou que o texto constitucional é claro ao citar que, recebida a denúncia contra deputado ou senador, é possível ao partido político pedir a sustação da ação penal, mas que esse pedido não abrange quem não é detentor de mandato parlamentar.
“O comando constitucional diz que a sustação do processo suspende a prescrição enquanto durar o mandato. É óbvio que isso só se refere ao Ramagem. Por que não querem colocar isso no projeto de resolução? Por que o relator não colocou? Porque querem dar um ‘golpezinho’ legislativo para proteger e blindar os não deputados réus nessa ação — aliás, o núcleo do golpismo”, concluiu.
Os partidos de centro-esquerda prometeram recorrer da decisão da CCJ ao STF por considerar que o requerimento é inconstitucional, uma vez que suspende a ação penal de acusados que não são parlamentares.
Inconstitucionalidade: STF alertou Câmara em abril
Em ofício enviado à Câmara, em abril, o STF informou que, segundo a Constituição, a Câmara só poderia suspender a tramitação das ações dos crimes cometidos após a diplomação de Ramagem como deputado. Com isso, os crimes de tentativa de golpe de Estado e de participação em organização criminosa não poderiam ser suspensos, segundo o Supremo.
Após a votação surpresa de quarta, ministros do STF se manifestaram reservadamente a jornalistas apontando inconstitucionalidade no ato da Câmara dos Deputados. Para ao menos quatro desses ministros ouvidos pela Folha de S. Paulo, o presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin “já foi suficientemente claro sobre os limites para a atuação do Legislativo em casos de ações penais contra parlamentares.”
Ramagem fala em perseguição do STF
O deputado Ramagem, acusado por tentativa de golpe de estado e organização criminosa no STF, entre outros delitos, se defendeu na sessão da CCJ e acusou o Supremo de perseguição.
“Eu estou servindo hoje de joguete de casuística do STF. O Supremo Tribunal Federal precisava colocar um parlamentar nessa ação de trama de golpe”, disse Ramagem, negando qualquer participação na trama golpista.
Ramagem foi diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro. A denúncia da Procuradoria-Geral de Justiça o acusa de monitorar ilegalmente autoridades e de apoiar a tentativa de golpe de Estado produzindo desinformação para atacar a legitimidade das eleições e das urnas eletrônicas.
Manifestações
Os deputados contrários à suspensão da ação penal justificaram que é preciso julgar e punir aqueles que tentaram impedir a posse do presidente Lula. O líder do PSB na Câmara, deputado Pedro Campos (PSB-PE), destacou que Ramagem articulou o questionamento, sem provas, das urnas eletrônicas para justificar o golpe contra a eleição de 2022.
“Todos nós temos a nossa legitimidade colocada nas urnas eletrônicas. Se o então chefe da Abin, o Ramagem, questionava as urnas eletrônicas, também questionava a legitimidade de todos nós aqui neste Parlamento. O desejo dele era fazer o que todas as ditaduras fizeram em todos os lugares do mundo, que é começar fechando o Congresso Nacional”, apontou.
O deputado Cabo Gilberto (PL-PB), por outro lado, defendeu que a Constituição permite ao Parlamento sustar toda ação penal, incluindo não parlamentares.
“Se o Supremo colocou ação penal com essas pessoas, o que o Congresso Nacional tem a ver com isso? Temos que respeitar a independência dos Poderes. A Constituição é bastante clara, é ação penal, não está falando de individualização da conduta”, disse.
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