14 de julho de 2025
MONITORAMENTO ILEGAL

Agente da “Abin Paralela” monitorou homônimo de Moraes por engano; veja os alvos

Relatório da “Abin paralela” cita uso ilegal de sistema de espionagem e estrutura chefiada por aliados de Bolsonaro; veja lista de monitorados para o gabinete do ódio
Agentes da Abin usavam programa israelente First Mile sem autorização legal - Foto: arquivo
Agentes da Abin usavam programa israelente First Mile sem autorização legal - Foto: arquivo

A investigação da Polícia Federal (PF) sobre a chamada “Abin paralela” revela que um gerente de loja de São Paulo chamado Alexandre de Moraes Soares, foi monitorado por engano em uma ação direcionada, na verdade, para espionar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O agente de inteligência que cometeu o engano risível foi identificado como sendo Thiago Gomes Quinalia.

A informação consta no relatório final das investigações, tornado público na quarta-feira (18) por decisão do próprio Moraes. Ele é o ministro relator do caso no Supremo.

As consultas, segundo a investigação, foram realizadas sem qualquer justificativa legal pelo agente de inteligência da Abin. Quinalia, à época, fazia parte do chamado Núcleo-Evento Portaria 157. Segundo a PF, esse grupo atuava na produção de relatórios falsos, inclusive tentando associar políticos e magistrados ao Primeiro Comando da Capital (PCC).

O agente teria utilizado o sistema de geolocalização clandestina First Mile, contratado pela Abin para rastrear dispositivos móveis sem qualquer interferência ou conhecimento das operadoras de telefonia. Entretanto, o uso da ferramenta não foi autorizado judicialmente, o que configura uma ilegalidade no funcionamento da agência de inteligência durante o governo Bolsonaro.

Mesmo assim, a investigação aponta que foram 60.734 consultas ilegais de geolocalização realizadas pela Abin entre 2019 e 2021 identificadas pela PF utilizando o “First Mile”.

Além disso, a PF aponta que o sistema era operado por diversos núcleos clandestinos da Abin, e que, nesse episódio específico, as buscas pelo nome “Alexandre de Moraes Soares” ocorreram em 18 de maio de 2019, porém sem nenhuma anotação técnica que justificasse a ação.

Apesar de o alvo ter sido um gerente-geral de uma rede varejista, residente em São Paulo, a proximidade do nome com o do ministro relator foi, segundo os investigadores, um indício da tentativa de acessar dados do magistrado por meio do uso de homônimos. “Leva à plausibilidade de terem sido realizadas três pesquisas do homônimo do Exmo. Ministro Relator”, aponta o relatório.

A reportagem não conseguiu localizar a defesa do agente citado.

Segundo o relatório, o sistema foi operado de forma clandestina para rastrear a localização de celulares em tempo real, inclusive de parentes e aliados do grupo e outras figuras públicas como o ministro, de Gilmar Mendes, Jean Wyllys e do jornalista Leandro Demori.

Alguns dos monitorados ilegalmente, segundo a PF:

  • Jean Wyllys (jornalista, ex-deputado Federal)
  • Cláudio Castro (governador do Rio de Janeiro)
  • Gregório Duvivier (humorista)
  • João Doria (ex-governador de São Paulo)
  • Mônica Bergamo (jornalista
  • Vera Magalhães (jornalista)
  • Reinaldo Azevedo (jornalista)
  • Alice Martins de Costa Maciel (jornalista)
  • Gustavo Gayer (deputado federal)
  • Rodrigo Maia (ex-presidente da Câmara)
  • Joice Hasselmann (ex-deputada federal)
  • Luiza Alves Bandeira (jornalista)
  • Pedro Cesar (jornalista)
  • João Campos (deputado federal)
  • Kim Kataguiri (deputado federal)
  • Paulo Pimenta (deputado federal)
  • Leonardo Brito (deputado federal)
  • Orlando Silva (deputado federal)
  • Alessandro Vieira (senador)
  • Evair de Melo (deputado federal)
  • Renan Calheiros (senador)
  • Omar Aziz (senador)
  • Randolfe Rodrigues (senador)
  • Luís Miranda (ex-deputado federal)
  • Marcelo Ramos Rodrigues (ex-vice-presidente da Câmara)
  • Ricardo Barros (deputado federal)
  • Jair Renan Bolsonaro (vereador e filho de Jair Bolsonaro)
  • Anna Cristina Siqueira Valle (ex-esposa de Jair Bolsonaro)
  • Luiza Bandeira (jornalista)
  • Pedro Batista (jornalista)

Ramagem, Carlos e Jair Bolsonaro apontados como líderes da estrutura da “Abin Paralela”

A investigação sobre a chamada “Abin paralela” já havia apontado que o então presidente Jair Bolsonaro (PL) era o principal beneficiário da estrutura clandestina. Seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), é citado como um dos idealizadores da rede, que operava para fins políticos, especialmente para desacreditar adversários e manipular investigações sensíveis.

A PF também aponta o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Abin, como o chefe operacional da organização criminosa instalada no órgão.

A estrutura, segundo o relatório, envolvia servidores da Abin, policiais federais cedidos e agentes especializados, que atuavam de forma dissimulada, valendo-se da hierarquia da agência para mascarar atividades ilegais como se fossem rotinas institucionais.

Relatório foi liberado após vazamentos seletivos

Moraes decidiu retirar o sigilo sobre o relatório da PF após constatar “vazamentos seletivos de trechos” que levaram à publicação de matérias contraditórias pela imprensa. Uma das informações incorretas afirmava que Bolsonaro tinha sido indiciado também.

O relatório entregue ao STF indica que Jair e o filho Carlos Bolsonaro definiam alvos e se beneficiaram politicamente de ações clandestinas conduzidas por estrutura ilegal na inteligência brasileira, mas Bolsonaro já é indiciado pelos crimes em outro processo por isso não foi indiciado novamente no inquérito da “Abin Paralela”.

Por outro lado, pelo menos 36 pessoas foram indiciadas. As acusações incluem organização criminosa, violação de sigilo e uso indevido de aparato estatal para fins privados e políticos.

A PF concluiu que o caso representa “alto potencial ofensivo” à democracia, com o uso reiterado e sistemático da máquina pública de inteligência para atacar adversários políticos, influenciar investigações e proteger aliados do chamado gabinete do ódio, formado por bolsonaristas radicais.


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